Acolher o outro: Eis o propósito da Semana Santa
27/03/2024 - 16:32É nos gestos de humildade, de servidão e de perdão que descobrimos a verdadeira essência do amor fraterno.
Por Gutemberg Rocha (do Instituo Histórico de Oeiras)
Arquivo silencioso, este é o título do recém-lançado livro do historiador oeirense Francisco de Moraes Rêgo, título emprestado de uma das mais de quarenta crônicas que compõem a obra, prefaciada por Dagoberto Carvalho Jr., autor do consagrado Passeio a Oeiras. Arquivo silencioso também é um fascinante passeio, e bem poderia ser Arquivo delicioso, pois é uma delícia passear pelas ruas e becos, igrejas e casarões, morros e riachos, fatos e lendas da Velha Capital; é delicioso pisar os lajedos da doce colina, tocar as grossas paredes dos sobrados centenários e contemplar os telhados envelhecidos, testemunhas da História e de mil histórias que não podem ficar perdidas no passado.
É delicioso perambular pela cidade, integrando-se ao burburinho da feira; mergulhar no Mocha, deleitando-se com o canto das lavadeiras; ouvir os sinos da Matriz a badalar finados, missas e batizados; adentrar os templos vetustos, relicários da fé de um povo temente a Deus; ajoelhar-se ante a imagem do Bom Jesus dos Passos; participar da Festa do Divino e das procissões da Semana Santa; visitar os presépios com cheiro de alecrim...
É delicioso cruzar com figuras emblemáticas da Velha Urbe, seja pela loucura, como Antônio Bocão e Dorete, seja por outras singularidades, como o jardineiro Zé de Helena (carregador oficial do tamborete da Maria Beú), o seresteiro Ciço Cego (proprietário do famoso CCC: Cabaré de Ciço Cego), o Padre Freitas (que abandonou o celibato sem deixar a batina), o músico e artesão Batata Tabaqueiro (que optou por viver recolhido como um monge), o folião Eurico, o sineiro Manoel do Padre, o engraxate Cosme...
É delicioso festejar São Benedito em antigas novenas animadas pelas bandas “Triunfo” e “Vitória”, na Igreja do Rosário; dançar ao ritmo do badalado conjunto “Os Falcões”; ouvir a música celestial que flui dos bandolins de Petronília Amorim, Lilásia Freitas, Maria José Cabeceira, Rosário Lemos e Antonieta Maranhão, carinhosamente chamadas de “bandoleiras”...
É delicioso trilhar as sendas da Igreja, dos clérigos que deixaram suas marcas na Paróquia de Nossa Senhora da Vitória e na Diocese de Oeiras: Dom Expedito Lopes, Dom Edilberto, Cônego Cardoso, Monsenhor Leopoldo, Padre João de Deus (ainda na ativa) e tantos outros; viajar pelos mistérios das lendas: o Pé de Deus, o Carneirinho de Ouro, a Baleia da Igreja da Conceição, o Cavaleiro da Meia-Noite...
É delicioso, sim, embora algumas narrativas remetam à mais crua realidade, desde conflitos pessoais que resultam em vingança e morte até episódios chocantes da época da escravatura. Mas isso também faz parte da vida da cidade, e essa é a matéria-prima usada por Francisco Rêgo, que mistura acontecimentos reais com preciosidades do folclore e do imaginário popular. Uma valiosa contribuição do escritor para a preservação da memória sentimental, cultural e social de Oeiras.