Entre o Bem e o Mal
Outro dia ouvi uma amiga dizer que um mirim (termo utilizado aqui no Ceará para falar dos assaltantes menores de idade) havia roubado seu lanche. Ela explicou que ele pediu um pouco do seu lanche e ela não quis dar porque: 1 – ela ainda nem havia comido o primeiro pedaço; 2 – já era mais de meio dia e ela estava só com o café da manhã na barriga e ainda iria demorar meia hora pra chegar em casa e almoçar. O menino, que certamente nem o café da manhã tinha no estômago, se rebelou e tomou seu lanche à força e ainda a machucou.
No recente caso da garota Eloá, após o desfecho trágico, quando ela ainda estava no hospital lutando pra viver, o seu prédio, que havia sido interditado pela polícia, foi liberado. Então ouvi um repórter noticiar que as pessoas que moravam ou tinham seus comércios por lá, tiveram que parar as atividades rotineiras enquanto durou o fatídico sequestro e um tal senhor que foi entrevistado reclamou por ter ficado com seu caminhão parado durante todos aqueles dias.
Fatos como esses me fazem perguntar: será que essas pessoas realmente achavam que seus problemas eram tão grandes e tão importantes assim? Será que a minha amiga achava que seu atraso pra almoçar era mais pesado do que o fardo do infeliz menino que não sabia nem se comeria naquele dia? Será que ela achava que a sua fome de algumas horas, com a certeza de ter o que comer quando chegasse em casa, era maior do que a fome daquela criança que, como muitas em situação semelhante, tem que roubar pra comer, que além da fome do pão que alimenta o corpo, jamais tiveram acesso ao pão que alimenta a alma? Será que o repórter e o senhor do caminhão achavam mesmo que o prejuízo que seria causado pelos dias parados seria igual ao prejuízo da mãe de Eloá que via a vida da filha se esvair sem que nada pudesse fazer pra reverter aquele prejuízo em sua vida, em seu coração de mãe?
Mesmo em menores proporções do que nesses casos, estamos sempre achando que a nossa dor e as nossas necessidades são as maiores ou as mais importantes. Esquecemos que se Deus nos colocou juntos nesse planeta, de alguma forma precisamos nos doar, precisamos ser menos egoístas, egocêntricos, precisamos nos respeitar. Recebi um slide que dizia: “Clamamos pela paz, mas não cultivamos a paz no dia a dia. Dizer que você é um pacifista não significa nada. Alguém sairia dizendo: “Eu sou contra a paz” ? Apoiar realmente a PAZ significa se aproximar do outro e reconhecê-lo como um igual.”
É muito fácil ser bom com quem é bom, caridoso quando se tem de sobra, perdoar quando se sobressai com isso, ser pacífico em tempos de calmaria, ser educado quando todos estão olhando... mas não há mérito nisso. Crescer, se acrescentar, é ser superior às circunstâncias, é respeitar as pessoas indistintamente, é ter consciência de que a paz começa em cada um de nós, é ser caridoso com as pessoas, principalmente no aspecto moral, reconhecendo que cada pessoa tem suas dores, seus sofrimentos, suas limitações, suas opiniões que não são necessariamente iguais às nossas. Ser bom não depende das circunstâncias, ser bom é uma questão de essência, é uma questão de escolha entre o bem e o mal.
Espero que façamos sempre a escolha certa.
NOTA: Texto originalmente publicado em 23/01/2009. Devido à mudança no sistema de gerenciamento do portal, alguns conteúdos, como o da Coluna Palavras de Luz, não puderam ser migrados, motivo pelo qual foram novamente postados, constando a data de início das atividades do novo Mural da Vila. Infelizmente, não pudemos fazer o mesmo com os comentários postados para esta matéria, mas ficaram todos registrados no coração, como um gesto de carinho.