
Eterno Mocha

*Por Rogério Newton
Perdi o número de vezes em que participei de reuniões sobre o Riacho Mocha. Desde a década de 80, com outros estudantes, quando ainda éramos inocentes e tínhamos mais esperança. Ano passado, representando a AMO, tomei parte de dois encontros no Ministério Público, em Teresina, sobre o projeto de macrodrenagem, que alcança os riachos Mocha e Pouca Vergonha, e uma audiência pública no Cine Teatro Oeiras, sobre o mesmo assunto. A não ser pelo aspecto informativo, as três foram muito frustrantes, principalmente por causa da mise-en-scène e das bravatas. Não resultaram em nada prático que pudesse servir de alento à proteção do Mocha ou à recuperação de suas áreas degradadas.
Na última terça-feira, dia 30, participei de outra reunião, convidado pelo Ministério Público, desta vez para tratar do loteamento Residencial Vila da Mocha. Além dos Promotores de Justiça e de um analista do Ministério Público, estavam lá, os dois autores do loteamento, representantes da Prefeitura de Oeiras, IPHAN, SEMAR, OAB-PI e sócio da empresa contratada pelos loteadores. Apesar de algumas intervenções dignas de nota, a reunião foi também frustrante, porque não significou nenhum progresso em busca de um consenso para solução do problema.
O Ministério Público merece elogios e nossa admiração por mais uma atitude em defesa do patrimônio coletivo. Reconheço seus esforços em cumprir as funções institucionais e criar um espaço para o debate profícuo, mas talvez a metodologia usada na reunião não tenha sido a mais apropriada. Se houver outros encontros sobre o tema, sugiro a adoção de outras formas de resolução de conflitos, como a mediação ou os círculos de justiça restaurativa e de construção de paz, que me parecem mais adequados, não só porque promovem um clima de respeito entre as partes envolvidas e garantem o tempo de fala de acordo com a necessidade de cada participante, mas também porque podem ser mais eficazes nos encaminhamentos para a solução do problema, que é o que, afinal, interessa.
É muito difícil haver algum progresso em audiências se as partes estão rígidas em posicionamentos, aferradas em suas próprias defesas e pouco dispostas a trabalharem juntas em busca de saídas que atendam aos interesses de todos os envolvidos, sobretudo os da coletividade. Os defeitos humanos são comuns em audiências judiciais e outras, como a que houve na última terça-feira, para tratar do loteamento. Reconheço a lucidez do Ministério Público e de vários convidados presentes à reunião, mas torço para que, se houver outros encontros, seja usada uma metodologia que preconize itens como escuta atenta e profunda, aceitação de que todos merecem respeito e compartilhamento de responsabilidades.
Apesar da evidente polarização e dos antagonismos, a reunião resultou bastante clara quanto ao entendimento de que as obras do loteamento pisotearam leis e são ofensivas não só ao Mocha, mas também ao clamor que existe há quase meio século pela conservação do riacho.
Gosto de lembrar que, em 1971, o Prof. Possidônio Queiroz e o poeta Gaudêncio Carvalho bateram às portas do prefeito de Oeiras, reivindicando providências para o Riacho Mocha. Lamentavelmente, aquele alcaide não compreendeu a grandeza do gesto. Hoje, passados quase meio século, o atual prefeito de Oeiras, vive oportunidade histórica semelhante: se quiser, pode fazer a diferença, se não repetir o padrão de todos os seus antecessores no cargo.
Depois que acabou a reunião, não me senti nem um pouco animado com o que ocorreu nela, nem com o futuro do riacho ou da cidade. Fiquei com a sensação de ter perdido um ente querido. Mas logo me refiz, pois, ao contrário do que afirmam os autores do loteamento, o Mocha não é efêmero. No coração, ele é eterno.