
Quando a máquina apita: IA e os novos rumos da arbitragem esportiva
17/06/2025 - 13:21Por Aline Gonçalves Jatahy
POR ROGÉRIO NEWTON
No livro “a terra dá, a terra quer”, Antonio Bispo dos Santos propõe “contrariar as palavras coloniais como modo de enfraquecê-las”. Por exemplo, ao invés de reproduzir a ideologia colonialista contida na palavra desenvolvimento, usar a palavra envolvimento, e, em vez de desenvolvimento sustentável, biointeração. Isso porque “desenvolvimento desconecta”. Aquelas expressões nascem do medo da natureza, do medo das cosmovisões, a cosmofobia.
Por que estou falando isso? Para voltar ao tema do Riacho Mocha. Tenho pensado nos últimos dias que, assim como mulheres e homens que dizem a verdade são silenciados ou apagados da história local, o Riacho Mocha é também um ser silenciado e apagado. Esse silenciamento é provocado por pelos governos, mas também pelas instituições e pela sociedade como um todo.
A construção do Açude Soizão, na área das nascentes, é uma forma de silenciamento e apagamento do riacho, assim como a galeria-esgoto, entre a ponte Zacarias de Gois e a ponte da Várzea, a construção do Mercado Lili Sá, o desmatamento das margens, a construção de loteamentos próximos ao riacho, a ausência de política pública de meio-ambiente e um sem-número de outras coisas.
Tudo isso pode ser lembrado quando falamos de silenciamento e apagamento do Riacho Mocha, mas está diretamente relacionado com o fato de que nós ainda vivemos numa colônia. Brasil-Colônia e Piauí-Colônia são períodos históricos do passado, mas, em essência e propósitos, não estão mortos, continuam em vigor e se expressam na desconexão com a natureza, na destruição, na expropriação, na exploração, na acumulação de bens, para instalação do desenvolvimento a todo custo, com estratificação da sociedade em classes e acumulação de riquezas e privilégios nas mãos de poucos.
Junto com isso, são disseminadas as seguintes ideias: a natureza significa atraso, e a civilização, representada pelas cidades, significa progresso; é necessário afastar-se, desconectar-se da natureza, não desenvolver cosmovisões; não fazer compartilhamentos, mas acumular bens, transformar a natureza em mercadoria e em dinheiro.
O Riacho Mocha está sendo silenciado e apagado a cada dia porque o seu modo natural de ser, seu ecossistema, é incompatível com o colonialismo que ainda hoje vigora entre nós. Então é preciso matá-lo, para que não reste nada de sua beleza, de suas águas, de suas matas, de seus pássaros e animais, de seus peixes. É preciso que seja silenciado e apagado para que o espaço fique livre para a continuidade do sistema colonial, que explora e escraviza pessoas, mesmo que as belezas naturais sejam suprimidas, e em seu lugar implantadas casas e bairros cinza, esgotos fétidos a céu aberto, paisagens sem beleza e, mais que isso, corpos tristes. Sim, corpos tristes e sem vigor, para continuidade da exploração e manutenção do status colonial. Isso acontece também porque os beneficiários dos privilégios e do sistema de exploração se tornam vitoriosos ao disseminar na mente dos explorados a ideologia colonialista e muitos destes a aceitam e a adotam como sua, ao ponto de defenderem seus algozes e assim serem peças fundamentais para a manutenção do sistema de exploração.
No livro Negras e Negros do Rosário (2024), Seu Zequinha afirma: ‘Não acabou, não, a tal escravidão”. Por sua vez, diz Flávio dos Congos: “Escravidão ainda existe, só que de maneira diferente”. Isso quer dizer que o sistema colonial ainda se mantém, com uso de formas mais dissimuladas de exploração econômica, política, social e racial.
Quando políticos e tecnocratas em conjunto concebem nos seus gabinetes projetos milionários para o Riacho Mocha, usam e abusam da palavra revitalização. Isso tem sido uma falácia várias vezes repetida. É improvável que políticos e a sociedade como um todo reajam contra esse estado de coisas, por razões muito simples: nem políticos nem a sociedade pretendem se relacionar com a natureza, ficar próximos pelo simples fato de gostar dela. Afeto, aproximação e curiosidade para com a natureza não existem porque todos, salvo raríssimas exceções, tem medo da natureza e das cosmovisões, e por isso preferem reproduzir a ideologia colonialista, pagando alto preço por isso. Em 2017, a Câmara Municipal de Oeiras criou a Medalha Mérito Legislativo Vila da Mocha. Entretanto, o Riacho Mocha não precisa de homenagem. Precisa é de uma política de reparação.
É cada vez mais difícil encontrar pessoas com liberdade no pensar e no agir. É cada vez mais rara a existência de personalidades independentes e criativas na sociedade. E quando essas se expressam são chamadas de loucas e hereges, ou são silenciadas e apagadas. Até mesmo as crianças, naturalmente espontâneas, são proibidas de serem alegres e criativas. Alegria e criatividade são subversivas. São muitas/os as/os chamadas/os, mas poucas/os as/os atendidas/os para ficarem solidárias/os com a vida expressa pelo Riacho Mocha ou quaisquer outras formas de expressão natural e/ou coletiva. Esse é um dos maiores desastres dos tempos atuais.
“As cidades são estruturas colonialistas”, afirma Antônio Bispo dos Santos. Oeiras continua sendo uma estrutura colonialista. A questão do Riacho Mocha é uma chave de leitura que leva a essa conclusão. Oeiras está desconectada da natureza e não se sente como natureza. Não se relaciona com ela. Segue a profissão de fé colonialista de usá-la como objeto e se beneficiar egoicamente dela. Não a ama, não cuida, não a defende. Às vezes se comove com alguma injustiça ambiental, ou outra, mas isso passa logo, pois o colonialismo tem que continuar e para isso se alimenta das consciências.