
Todas as cartas de amor são ridículas?
“Miguel está vivo, mas a vida não está nele. Mesmo assim, ainda lhe quero muito, pois marido como Miguel é difícil de achar.
Não têm filhos, não têm netos, não têm noras, genros, irmãos, cunhados, amigos nada que substitua a bondade e a dedicação de Miguel. Ele é único”.
Iolanda Reis, em “A Falta que Miguel me faz”
Em outubro do ano passado, o Portal do Sertão publicou o pungente desabafo – de excelente qualidade literária, diga-se de passagem – de Iolanda Reis, acima citado. A chamada que levava ao artigo, sentenciava “Miguel Reis, o Bem Amado”. Ontem, tio Miguel – aquele mesmo Miguel que a Iolanda considerava perdido – veio a mim, todo interessado, com uma carta na mão, lamentando ter perdido e me pedindo para localizar – como assessor nomeado – o endereço da remetente, Osita Castelo Branco. A carta manuscrita, cujo fac-simile acompanha este artigo, já era de meu conhecimento, desde 2002 tendo ensejado, três anos depois, o artigo abaixo. Diante de tantas e tão irrefutáveis provas, é preciso reconhecer que o tio Miguel é mesmo um Bem Amado. Eu diria mesmo, contrariando, em parte, o vovô Joel Campos, que mais que um “bon vivant”, tio Miguel foi mesmo, um Dom Juan!
Peço, pois, encarecidamente aos meus três leitores, que me ajudem obter notícias de Osita Castelo Branco. Afinal, “ninguém pode ser feliz se não for por amor!...”
Amigos, Miguel de Macêdo Reis é meu tio paterno. Figura simpática, insinuante, alegre. Foi o maior namorador que Oeiras já teve. Especialista em forasteiras. No período de férias, principalmente, era disputada sua companhia entre as moçoilas. Casou-se aos 32 anos de idade com Iolanda Ribeiro Gonçalves, 16 anos mais nova, linda! Constituiu sólida família.
Gosta de proclamar que recebeu do meu avô materno, Joel Campos – outro perdido por um rabo de saia – já falecido, o troféu “bon vivant”. Deste, relata-se o seguinte episódio: Como Tonico Bastos, personagem de Jorge Amado – aquele que degustou o cravo e a canela da famosa Gabi – “Cabeça Branca”, como era conhecido na intimidade, foi dono de Cartório e galanteador incorrigível. Numa ocasião em que lavrava certo documento, viu ao largo da feira uma cabrocha desconhecida que lhe ofereceu o mais singelo sorriso. Sentiu verdadeiro abalo psicológico. Saiu à cata da morena flor. Deu um jeito de encontrá-la entre as barracas. A matutinha ao vê-lo, reverentemente, estendeu-lhe a mão direita, dizendo: – “Bênça, meu padim!”. Decepcionado, disparou: – “Vá a merda!”
Recentemente, quando da realização do II Festival de Cultura de Oeiras, apresentei ao tio Miguel a atriz Danielle Ornelas que veio divulgar o filme “Filhos do Vento”. Trata-se de uma negra nova, monumental, cônscia de sua luta profissional e política, furupenta! No arroubo do encontro, solicitei-lhes que os fotografassem. Então, a referida artista agachou-se um pouco para melhor pose. Miguel, que há pouco se submetera a uma colecistectomia e estando sentado, ficou em pé, e brincou: – “por uma mulata desta levanto tudo!...”
Bem. O nosso herói, do alto dos seus 84 anos, há mais de dez reatou seu namoro com Osita Castelo Branco, de igual idade, das bandas de Teresina, viúva, residente no Rio de Janeiro. Um tempo desses, ela veio visitar seu amigo na antiga capital do Piauí. Foi uma maravilha!.. Reencontro recheado de carinho, beijos e abraços. Passearam pelas praças da cidade. Tomaram sorvete com direito a “aviãozinho”. Relembraram velhos momentos. Sonharam acordados!...
De lá para cá, inúmeras cartas, fotografias, telefonemas foram trocados. Tornei-me confidente e escriba do meu parente querido. Dou forma ao seu pensamento. Chamou-me especial atenção sugestiva encomenda recebida pelos Correios. Era uma toalha cor-de-rosa que continha bordado o nome Miguel, empapuçada de perfume. Junto, um bilhete enternecedor estampando marcas de lábios de batom vermelho. Quem saberá decifrar tal simbologia?
Não me contive. Bati com os dentes sobre este romance ao médico e escritor José Expedito Rêgo, de saudosa memória. Este, para logo, remeteu-me um jocoso soneto intitulado “Velha assanhada”, cujos tercetos dizem assim: “Seu tio Miguel já teve / mais de mil namoradinhas / quando era novo e tesudo, / mas agora pega leve / e só encontra velhinhas / já desprovidas de tudo!”
Dançador infatigável. Mulherzeiro. Discreto. Certa feita perguntei-lhe como fazia para conciliar as atenções para com suas paqueras. Sem titubear, afirmou em tom de conselho: - “namore às claras que ninguém desconfia”. Pelo visto, se deu muito bem!
Agora, no esvair deste ano, a estimada tia Iolanda, professora inteligente, poeta (com livro a editar), esposa apaixonada, mãe generosa, me falou que iria escrever um cartão de Boas Festas para Osita, em nome do seu marido, transcrito a seguir: “Não importa o reencontro tardio, a notícia escassa, o abraço adiado, o gesto contido, o tempo breve, o limite do espaço, a conversa rara, raro o telefonema. Renovando-se a cada dia, a amizade traz nos olhos enxutos a limpa sinceridade para desejar a você e aos seus, neste Natal e Ano Novo, toda a felicidade e paz do mundo. Abraços afetuosos do seu Miguel Reis”. Convenhamos, cuida-se de belo poema!
Atenção! A sentença de Carlos Drummond de Andrade é implacável: “Pobre de quem não aprendeu direito, / ai de quem nunca estará maduro para aprender, / triste de quem não merecia, / não merece namorar!”
*Carlos Rubem é Promotor de Justiça