
Mais de 60 mil eleitores do Piauí podem ter título cancelado em maio; veja como regularizar
28/04/2025 - 08:43Em todo o país, mais de 5,1 milhão de pessoas ainda precisam regularizar o documento.
Na sexta-feira de Passos, por volta das 16h o largo do Rosário já se encontra repleto de devotos e romeiros do Bom Jesus. Eles vêm de toda parte, de perto, de longe, mas todos unidos no mesmo sentimento de piedade pelo Cristo que se entregou por nossa Salvação.
Muitos vêm “pagar” promessas feitas, por saúde, por emprego, por um bom parto, vários são os motivos, mas a fé é a mesma. Alguns trazem uma cruz às costas, como o Bom Jesus, outros seguem a procissão com os pés descalços, há ainda os que levam sobre a cabeça uma pedra, ou uma garrafa com água.
Os sinos tocam suas lamúrias e a celebração se inicia com o incenso, a água benta, o canto do Miserere (Salmo 50). Na saída da Igreja o sacerdote profere a bênção com a relíquia da Santa Cruz e, em seguida, surge a figura da Verônica, com o sudário. Em Oeiras, ela é chamada “Maria Beú”, provavelmente em alusão ao verso final do canto que entoa em latim (dolor meus).
Por muitos anos, a Maria Beú foi acompanhada de perto pelo lendário jardineiro Zé de Helena, com seu banquinho debaixo do braço, em que ela sobe para cantar e desfraldar o sudário em que se vê o rosto de Jesus. Com o peso dos anos, Zé de Helena passou seu encargo aos mais jovens, e hoje apenas acompanha a procissão como os outros milhares de devotos.
Os versos dizem assim: “caminheiros que passais por este caminho, parai um pouquinho e olhai, por favor, se neste mundo existe uma dor assim tão grande como a dor de minha dor”. O canto chama atenção para o sofrimento de Jesus, ao carregar a pesada cruz, lembrando aos passantes que foi por nós que Ele se entregou. Antigamente era entoado em latim, depois, apenas em português. Recentemente, para resgatar a tradição, Maria Beú vem intercalando o canto, ora em latim, ora em português.
Maria Beú é escolhida entre as moças da cidade que tenham o dom do canto. Por vezes, a escolhida tem “promessa” de ser Maria Beú. A figura volta a participar da Semana Santa, na sexta-feira da Paixão, durante a procissão do “Senhor Morto”.
Além de Maria Beú, há outras três personagens vivas que participam da Procissão de Bom Jesus dos Passos, representando as mulheres que acompanharam Jesus até o Calvário: Maria Madalena, Maria de Cléofas e Salomé. Todas as quatro usam trajes da época em que Jesus esteve na terra.
A procissão parte da Igreja do Rosário acompanhada por um som choroso, o Dobrado do Bom Jesus, executado pela Banda de Música Santa Cecília. A multidão vai crescendo à medida em que o cortejo desce rumo ao centro histórico. Em todos os Passos, segue-se o mesmo ritual: incenso, água benta, trechos do Miserere, bênção com a relíquia da Santa Cruz e o canto da Maria Beú. Muitos ficam com os olhos rasos d’água, em sintonia plena com o sofrimento de Jesus. É, realmente, emocionante, mesmo para quem faz o trajeto há muitos anos.
O brilho do Sol já não mais é visto quando a procissão sai do terceiro Passo (o do Beco dos Correios) e alcança a Praça das Vitórias. Aí acontece a parada mais longa, em frente ao Paço Municipal (onde hoje funciona a Prefeitura). Quando o cortejo alcança a Praça, ela já está tomada de devotos e romeiros, na sua maioria usando traje roxo, a cor do Bom Jesus. São mais de trinta mil pessoas, homens, mulheres, crianças, idosos, um mar de gente que segue os passos do Bom Jesus.
Da varanda do Paço Municipal é proferido o Sermão do Encontro, que recebe tal denominação porque, além de tratar da Paixão de Cristo, atinge seu clímax com a aproximação da Imagem de Nossa Senhora das Dores à do Senhor dos Passos. É outro belíssimo ícone entalhado em madeira, em tamanho assemelhado ao do Bom Jesus, cuja origem também é desconhecida, mas que conta aproximadamente duzentos anos em terras oeirenses. Sua “expressão” é de verdadeira dor e compaixão.
Enquanto a imagem do Bom Jesus dos Passos é carregada pelos homens, a de Nossa Senhora das Dores é levada apenas por mulheres, associadas e zeladoras do Apostolado da Oração Sagrado Coração de Jesus, grupo que também é responsável pela arrumação do ícone e do andor.
Após o Sermão do Encontro e do canto da Verônica, a procissão segue para o Passo do Engano ou Passo do Perdão. Além dos rituais e cantos proferidos nos demais Passos, no do Perdão a imagem do Bom Jesus é girada por três vezes em um momento de silêncio e extrema concentração dos fieis, em seus pedidos particulares ao Senhor dos Passos.
Quando a banda Santa Cecília volta a tocar o “Dobrado”, o cortejo parte para o último Passo e, de lá, rumo à Catedral de Nossa Senhora da Vitória, sua parada definitiva. As imagens são introduzidas na Igreja, que permanece aberta para a visitação dos fieis até as 22h.
Mais uma vez os devotos e romeiros se espremem para tentar chegar perto dos ícones de Bom Jesus dos Passos e de Nossa Senhora das Dores. Frente a frente com as imagens, renovam sua demonstração de fé, depositam ofertas e rogam a Deus para que no próximo ano estejam “com vida e saúde” para, com muita fé e dedicação, realizar aquela trajetória piedosa.
A procissão de Bom Jesus dos Passos é a maior demonstração de fé popular do Piauí. É a festa dos humildes. Já foi tema de livros e documentários de artistas e jornalistas de diversas partes do Brasil. É, sem sombra de dúvida, a forma mais expressiva da religiosidade desse rincão.
Sânia Mary Mendes Mesquita de Sousa Santos
Especial para o Mural da Vila