
A voz do Brasil

*Por Gutemberg Rocha
Alguns dizem que o gigante acordou; outros, que o Brasil explodiu. É verdade: vimos o despertar de uma nação e um “big bang” acontecer no País. De repente o brasileiro se deu conta de que era hora de soltar o verbo. O Brasil continua “deitado em berço esplêndido, ao som do mar e à luz do céu profundo”, porém não está mais adormecido. O povo levantou-se, invadiu as ruas, extravasou sentimentos de insatisfação e indignação. Uma mobilização política sem precedentes, articulada nas redes sociais e abraçada por variados segmentos da sociedade, resultando numa salada mista de reivindicações.
É a voz do Brasil que se ergue e se faz ouvir nos mais distantes rincões do País, até mesmo nos palácios governamentais. É a voz do Brasil que repercute mundo afora e Brasil adentro, até mesmo nas mais altas instâncias decisórias da Nação. Por conta disso, e na tentativa de jogar água na fervura, algumas medidas já estão, açodadamente, sendo anunciadas.
É a voz do Brasil. Uma voz que soa às vezes difusa, às vezes confusa; muitas vezes pertinente, outras, incoerente ou inconsequente. Voz estridente, que adentra os ouvidos de quem não quer ouvir. Voz rouca, aqui acolá contaminada pelo vírus do excesso e pela bactéria do vandalismo oportunista. Voz do povo que rala, que luta, que sofre, que paga impostos e não vê o retorno esperado. Como diriam Raul Seixas e Torquato Neto: “uma voz que canta, uma voz que dança, uma voz que gira”, “desafinando o coro dos contentes”.
É a voz do Brasil. Não é uma voz uníssona, não é uma voz límpida, mas uma colcha de retalhos, com muitas vozes, sotaques e tons... Vozes que defendem a vida, quando pedem mais saúde e segurança; vozes que defendem a morte, quando pedem a execução de assassinos cruéis e o aborto de fetos indesejados; vozes que se erguem em defesa do meio ambiente, da justiça, da educação, da cidadania, da paz, e contra a corrupção, a impunidade, a violência, a política do pão e circo, a malversação do dinheiro público... Vozes que, às vezes, solitárias, clamavam no deserto, e hoje, reunidas, se multiplicam, ampliadas “pelos cinco mil alto-falantes” da memória tropicalista.
Por coincidência, a voz do Brasil eclodiu exatamente no período em que se celebra a festa de São João Batista, ele que se dizia “a voz que clama no deserto” e cuja missão foi anunciar a chegada de uma nova era para a humanidade. Pois bem, narra a Bíblia Sagrada que Zacarias, o pai do profeta, estava mudo, mas, para surpresa geral, com o nascimento de João “sua boca se abriu, a língua se soltou e ele começou a louvar a Deus” (Lc 1,64). O Brasil também estava mudo e, surpreendentemente, inesperadamente, abriu a boca e soltou a voz. Rezemos, então, para que essas manifestações sejam o prenúncio de uma nova era para o povo brasileiro.
Esperemos que a voz do Brasil, ora escutada em todos os lugares, permeie o nosso dia a dia, reflita-se nas urnas e continue a se fazer ouvir após as eleições, e cada um desempenhe com consciência o seu papel de cidadão, exercendo com responsabilidade o direito de votar e ser votado. “Em nossas mãos está o nosso futuro”, diz a voz do Brasil!
* Gutemberg Rocha é membro do Instituto Histórico de Oeiras