
Ainda sobre o turismo em oeiras
A discussão levantada pelo professor Júnior Viana em texto publicado anteriormente (De quem é a culpa, meu senhor?) não poderia ter vindo em momento mais oportuno e ímpar. Oportuno, porque já está mais do que na hora de os discursos em torno das potencialidades da cidade abandonarem sua visão idealista, simbólica e romântica e apresentarem propostas consistentes. Ímpar, em virtude da (tímida, porém essencial) valorização que se tem dado, nos últimos anos, ao setor da produção cultural.
Em primeiro lugar – à parte a notória falta de empreendedorismo empresarial e a escassez de projetos que visem a apropriação do aparato sócio-cultural material e imaterial, bem como a carência de incentivo financeiro aos poucos projetos que muito raramente aparecem –, é preciso reconhecer que a cidade dispõe de um rico acervo cultural e natural, bastante atrativo e lucrativo se empregadas as ferramentas certas no sentido de seu usufruto.
A título de exemplo, nunca, em momento algum (pelo menos não que eu saiba), falou-se em Ecoturismo em Oeiras. O Ecoturismo é um dos setores turísticos que mais cresce em todo o mundo, senão o maior, gerando emprego e renda nos locais onde é realizado. Milhares de turistas do mundo todo freqüentam o Brasil, e mesmo o Piauí, para desenvolverem atividades que unem esportes (radicais ou não) e turismo, ou simplesmente atividades de turismo comuns relacionadas ao meio ambiente, como passeios, acampamentos e lazer de um modo geral. São Raimundo Nonato é um dos principais pólos do Estado (quiçá do país) nesse tipo de atividade, onde se pratica rapel, asa-delta, trilhas, pára-quedismo, etc. Outros locais como Sete Cidades, Parnaíba, Pedro II e mesmo Teresina fazem parte do eixo ecoturístico da região. E para isso contam essencialmente com sua estrutura natural, sua riqueza de paisagem e vegetação, seu morros e matas, rios e lagos, algo que Oeiras tem de sobra.
A diferença em relação a Oeiras é que naquelas regiões existem projetos empreendedores de desenvolvimento desse setor, bem como incentivo financeiro por parte do empresariado (setor privado), o qual tem consciência de que se trata de uma atividade de ampla procura, boa rentabilidade, custo relativamente baixo e lucratividade certa. Sem falar que, incentivando o setor turístico (seja ele ecológico, ou histórico, ou cultural, ou qualquer outro), outros setores também saem ganhando, como o comércio de modo geral, a rede hoteleira, lojas, bares, restaurantes e transportes, além da própria comunidade que usa sua criatividade para produzir atividades complementares que gerem uma renda a mais. No final, todo mundo ganha, especialmente o turismo da cidade que tem suas atividades ampliadas e aperfeiçoadas, melhorando e profissionalizando os setores já vigentes e inovando com a introdução de outras possibilidades no fazer turístico.
O Ecoturismo é apenas um dos muitos exemplos ao nosso alcance. Trazendo para o lado mais geral do turismo, sua “debilidade” se deve justamente à falta de apoio governamental sério e direcionado; à falta de visão empreendedora empresarial, como já dito; à falta de projetos visando o desenvolvimento assíduo do setor; além dos problemas de infra-estrutura e também relativos à conservação do patrimônio histórico e natural de Oeiras. Some-se a isso o discurso pomposo, artificial, saturado e demasiadamente idealista, pessimista e romântico da camada “intelectual”, que mais fala do que faz.
Em segundo lugar, é necessário descentralizar a produção cultural (centrada na “produção para a elite”), se livrar de certos preconceitos e estereótipos em torno do aparato cultural da cidade e da capacidade produtiva dos oeirenses e, principalmente, dar mais credibilidade a setores que estão em alta na atualidade, como o dos esportes radicais aliados ao turismo, como já falei acima; da produção artística (música, teatro, etc.); dos eventos festivos alternativos (festas rave, por exemplo, têm um público fidelíssimo e de poder de consumo relativamente alto – o Piauí é um dos estados que mais cresce nesse ramo de produção atualmente. Festas de forró, também, sempre estiveram em alta); do turismo religioso e de lazer; e do próprio turismo histórico e cultural. Com relação a este último, Oeiras possui ótimos pontos turísticos, que dão ótimos roteiros turísticos, além de um rico patrimônio histórico. O que não é ótimo são as condições físicas desses pontos e a estrutura da cidade para receber os turistas.
Enfim, são só alguns poucos exemplos que me vêm à cabeça no momento. Além do mais, existe a possibilidade de se realizarem parcerias dos diversos setores entre si, como entre turismo e casas de show, ou turismo e bares e hotéis, e por aí vai. É tudo uma questão de criatividade, inovação e ação. É preciso pensar grande, perder o medo de investir. Acreditar na capacidade criativa dos produtores e no potencial construtivo da cidade. Incentivar o diálogo entre as camadas da sociedade, no sentido de uma maior aproximação. Eliminar as desavenças políticas que tanto atrasam ou mesmo impedem o desenvolvimento da cidade. Se não se pensa grande, então não se pode crescer. É preciso, antes de qualquer coisa, sair desse mundo de mesquinharias e futilidades.
É importante, ressalto, acabar com certos preconceitos. Não é difícil perceber que o termo “cultura”, em seu uso corrente, é usado para designar aquilo que é produzido pela e para a elite supostamente intelectualizada e culta, em contraposição à “cultura popular”, que geralmente é relacionada ao povo-massa, ingênuo, indigesto, ineficaz, errado e desprovido de saber: o povo sem-cultura. Enquanto esse pensamento for mantido pouca coisa poderá mudar. E esta é a palavra à qual se deve atribuir mais importância em Oeiras: mudança.
Além do mais, cultura em Oeiras (não só em Oeiras, claro) está associada à tradição no sentido de um passado imóvel, congelado e imutável, como se não fosse possível às expressões tradicionais locais se adaptarem às mudanças do tempo e do espaço e como se as produções novas não fossem expressões culturais dignas da mesma importância que se dá a tradição. Definitivamente, a tradição é vista como se fosse algo cristalizado, do passado e que apenas deve ser reproduzido e nunca modificado ou evoluído – embora seja, naturalmente, impossível deixar de agregar novos significados e conotações ao que se tenta reconstituir. Como se a tradição devesse permanecer intocável em seu universo simbólico e ideal.
É preciso enxergar as manifestações culturais de Oeiras, e a própria tradição, não apenas como um espetáculo de mercado, que se deve apenas reproduzir e conservar, mas como sujeitas a processos evolutivos e adaptativos e às inovações e mudanças constantes. Divulgar a cultura é preciso, até mesmo a fim de conquistar reconhecimento e respeito. No entanto, o que não parece muito correto é fazer dessas manifestações acontecimentos isolados e presas a certas datas e eventos comerciais que, como a própria idéia já sugere, valoriza mais a comercialização como um produto do que a manifestação em si como uma expressão cultural cheia de significados e que independe de pré-determinações restritivas temporais e espaciais.
Enfim, tradição não é só aquilo que se produz no passado e que vem do passado, mas tudo o que se produz no passado e no presente que tenha valor, significado, razão e identidade para um povo, uma cultura, uma comunidade, uma sociedade, e que está sujeito a mudanças.
Finalmente, mas não por último, tentando responder, ao meu modo, à pergunta do professor Júnior (e talvez apenas complementando a resposta do mesmo), buscar culpados seria fazer um movimento de vai-e-vem da consciência, um movimento que, no mínimo, requer o mínimo de bom senso crítico realístico possível e necessário para que não se peque jogando em outrem a culpa de um crime do qual somos também co-autores.
O potencial turístico existe e encontra-se disponível e a céu-aberto, necessitando apenas de incentivo, credibilidade, tomada de iniciativa e visão de empreendimento para que se faça uso. É importante também que os discursos (mais pomposos do que concretos) que giram em torno dessas questões busquem salientar aspectos de maior relevância e se apresentem de maneira mais firme e sistematizada, pragmática e objetiva. Em outras palavras, é preciso sair da teoria e da falação se se quiser concretizar alguma coisa, não somente quanto ao turismo, mas também quanto à economia, à política, à educação e ao desenvolvimento geral da cidade de Oeiras.
* Israell Rego é Historiador e estudante de Jornalismo e Relações Públicas