
Despedida de um fazedor de admiradores

* Antônio de Pádua Barbosa da Silva
Ontem, Oeiras/PI reuniu-se na casa do Seu Oliveira para uma confraternização pela sua morte. Lá encontravam-se a esposa, Dona Jesuína, filhos naturais e filhos de coração, genros, noras, netos e amigos que ele tinha em quantidade incontável: todos os oeirenses eram seus amigos.
Senhores oeirenses, familiares e amigos mais próximos, permitam a esse genro do Seu Oliveira, afastado pela distância física, mas profundo admirador de sua inteligência, sabedoria e exemplo de vida, discorrer rápidas palavras sobre o evento, o homem e a pessoa que foi esse ilustre cidadão de outras terras, mas que tinha Oeiras no coração.
É interessante observar os conceitos do filósofo John Locke que distinguem o homem da pessoa. Para ele, o homem é um organismo biológico: é um corpo. Assim, para ele, nascemos homens e podemos nos tornar pessoas. A seguinte definição de pessoa, sujeita a discussões, é a proposta por John Locke: "é um ser pensante, inteligente, dotado de razão e reflexão, e que pode considerar-se a si mesmo como um eu, ou seja, como o mesmo ser pensante, em diferentes tempos e lugares" (Locke, 1986, p. 318 apud Ferreira, 2005). O homem e a pessoa se combinam com o tempo e criam a percepção de responsabilidade sobre suas ações passadas, presentes e, porque não dizer, futuras.
A morte (palavra que muitas pessoas ante sua pronuncia se benzem, batem na madeira e realizam outras demonstrações de medo ou desprezo por ela) é um acontecimento único da vida, portanto, a que todos estão sujeitos, que expressa ao paroxismo a fraqueza humana e expõe a fragilidade da criatura ante o poder do Demiurgo: o criador. Nessa hora trágica das relações do homem com as forças da natureza, essa realidade o faz retornar a questões filosóficas, religiosas e porque não dizer filosófico-religiosas que, de certa forma, foram a base do nascimento da maioria das religiões: quem nós somos? De onde viemos? E para onde vamos?
As religiões, que procuram respostas para as questões as quais a pessoa humana não acha resposta na racionalidade que lhe foi facultada (procuram explicar o inexplicável), quase sempre têm um ponto comum que é a existência de uma entidade que criou o mundo e reúne em si o poder de gerenciar todas as forças do universo, inclusive as que dão o dom da vida e determinam a hora da morte: o Demiurgo. As explicações das diversas religiões guardam suas nuances, o que determina suas diferenças fundamentais, e em torno delas, de uma forma ou de outra, trazem em seus dogmas conceitos que determinam a dicotomia entre o bem e o mal.
O homem Manoel de Oliveira Sinimbu nasceu em Regeneração/PI, em 26 de agosto de 1923, possuía um metro e cinquenta e um centímetros de altura (baixinho como se diz) e adotou Oeiras como sua terra de coração. Filho de uma família agropecuarista modesta e humilde, herdou as qualidades de amor ao trabalho e honestidade, características que, certamente, tiveram profunda e positiva influência na pessoa que se tornou.
Aos dezessete anos, ingressou como profissional funcionário telegrafista dos Correios em Regeneração, ofício que aprendeu com sua professora primária (casada com um telegrafista) aos quinze anos, após ingressar no Grupo Escolar de Regeneração. Ao completar dezoito anos, apresentou-se voluntariamente para servir ao Exército Brasileiro como profissional de comunicações, durante a Segunda Grande Guerra. Aprender o telegrafismo foi fundamental para suas atividades nos Correios e no Exército Brasileiro. Após deixar a vida militar, em setembro de 1945, voltou aos Correios e trabalhou por diversas cidades do Piauí, até chegar a Oeiras, onde viveu a maior parte da sua vida.
Conheceu Dona Jesuína Muniz de Oliveira, fonte de amor e de filhos, com quem casou-se na Igreja de Nossa Senhora da Conceição em Conceição do Canindé/PI, em 16 de junho de 1953, e viveu por cinquenta e nove anos. Fruto do seu casamento, teve oito filhos: Teresinha, Neto, Oliveirinha, Conceição, Domingos (In memoriam), Cláudio, Verônica e Marcos Vinícius.
A pessoa, incomensuravelmente maior do que o homem, adotou fervorosamente a religião católica e foi incansável em praticar e disseminar entre seus filhos os princípios que fizeram dele um verdadeiro homem de bem. Sempre alegre e feliz, distribuía seu sorriso e, porque não dizer, as suas divertidas piadas a todos com que cruzava nas suas ruas ou diante de sua residência, características que, certamente, foram o esteio para que angariasse a imensa legião de admiradores e de amigos.
O nível escolar não tão elevado não obstruiu a sua extraordinária inteligência, que o fez autoditada e o permitiu reunir, em curto tempo, os expressivos conhecimentos que as oportunidades escolares não o facultaram. O tempo se amalgamou à sua inteligência, para reunir a sabedoria com que educava, orientava, dirigia e decidia ante as mais difíceis situações que se lhe antepunham, particularmente nos últimos anos de sua vida.
O tempo o transformou em um apreciador da literatura e um grande cronista que retratava passagens da sua vida e dos seus e que fazia divulgar em um sítio local em Oeiras: www.muraldavila.com.br (o Mural da Vila). Em suas crônicas, retratou muito bem a sua filosofia de vida e a pessoa notável que tanta admiração desperta em todos que o conhecem. Seguem-se alguns trechos:
- O amor à esposa e à família: “Nunca nos negaram respeito e atenção. E a amizade, sentimos que conserva e cresce. Falar do desvelo dos nossos filhos é desnecessário porque é tão espontâneo, transparente, conhecido e reconhecido que causa até inveja. Usando uma força de expressão, estamos convencidos que imitamos a vida feliz de Nazaré e a multiplicação dos pães e do peixes. A paz, o amor e a união (em) que vivemos estão contagiando os nossos netos e pessoas que entram em nossa família” (Salve 15 de Junho, 15 JUN 2012, Oliveira Sinimbu).
- O sentimento sobre a vida: “E penso que (a minha vida e) a dos outros seja um balão cheio de vento, (que terminará) com uma explosão sem previsão, mas inevitável. ..... Depois da explosão, o vento se perde no espaço e às vezes vira (um) tornado. A matéria vai jogada numa vala funda, coberta com terra preta e cimento. E (também) as nossas culpas, erros, pecados, invejas (e) maldades cometidas, conscientes ou não. Apesar de vivermos com elas escondidas, com a senha e o segredo do cofre do coração e da consciência, com um disfarce sarcástico doloroso e permanente, pagaremos todos aqui com nossos fracassos, doenças, decepções, dores, adversidades e desamores nos fazendo de palhaços, rindo por fora e chorando por dentro” (A Minha vida É, 1º FEV 2012, Oliveira Sinimbu).
- O sentimento da fé e religiosidade do povo: “A cultura da fé com a divisão de paróquias e o aparecimento de diversas igrejas de outras culturas também diminuiu as belezas das festas porque o povo ficou também dividido e tudo que se divide fica menor, confundindo até a tradição milenar. Se eu tiver pecando com essas fraquezas, perdoem-me. Não tenho nenhum ato de valentia e nem de covardia, também nada que desabone minha conduta, que envergonhe minha família” (Retrato Escrito de Oliveira, 30 MAR 2007, Oliveira Sinimbu).
- O sentimento da prática da bondade: “Fugindo à modéstia, hoje ajudo muitas pessoas pobres envergonhadas, minhas conhecidas, com uma milagrosa e humanitária importância que entra mensalmente na minha conta. Sigilosamente, pago passagem, receitas, inscrições para concursos e passagem, quando o concurso não é aqui, e outras coisas. Procuro melhorar a vida dessas pessoas e, quando dá certo, elas, outras pessoas e eu sentimo-nos felizes. É aí que está o meu céu” (Retrato Escrito de Oliveira, 30 MAR 2007, Oliveira Sinimbu).
- O sentimento da morte: “A vida não é nossa, mas sentimos que pagamos o tempo que usamos. A morte vem sem dar aviso prévio, leva doente, sadio, velho, novo, preto, branco, pobre, rico na hora certa, já determinada desde a concepção. Parentes e amigos que ainda não aceitam a realidade ficam procurando uma desculpa, até incriminando um inocente” (A Medicina e a Morte, 26 JUN 2012, Oliveira Sinimbu).
Apesar de a noção de bem ser relativa, pode-se concluir que o Seu Oliveira foi um homem de imensa inteligência e sabedoria que orientou seus princípios em torno da prática do bem, na acepção da religião católica, da qual era fervoroso praticante. Da mesma forma, orientou a criação da sua família e os seus pensamentos em diversas áreas de forma concorrente com esse nobre sentimento.
Tenho certeza que todos os que se reuniram na casa do Seu Oliveira para sua despedida e aqueles que gozaram da sua amizade e que lá não puderam estar por qualquer motivo estão orgulhosos por terem feito, de qualquer forma, parte de sua vida. Eu, que “entrei na família pela janela como agregado” tenho um profundo orgulho e uma imensa decepção por não ter sido agraciado pelo Demiurgo com as qualidades que com tanta generosidade Ele aquinhoou o Seu Oliveira. Talvez isso faça parte da justiça (ou injustiça) universal.
Tenho de agradecer-lhe por me ter permitido ser esposo de sua filha Teresinha.
Sua última mensagem:
- “Cumpri meu destino. Se você me ama, não chore. Se conheceu minha felicidade, ria e cante, agradecendo o privilégio de minha vida toda feliz. Minha consciência faz-me não temer a morte. Não tenho ódio, nem malícia. Sinto Saudade” (Despedida, 26 JUN 2012, Oliveira Sinimbu).
Que Deus o tenha!
Oeiras/PI, 02 de junho de 2012
Antônio de Pádua Barbosa da Silva – orgulhoso genro