
Educação Para A Libertação

Por João de Carvalho Fontes e Edilberto Vilanova
Aprender, num método não de ensino, mas de aprendizagem, é o grande ensinamento da Pedagogia do oprimido de Paulo Freire, um pensador e educador que, segundo o professor Ernani Maria Fiori, existencia seu pensamento numa pedagogia em que o esforço totalizador da práxis humana busca, na interioridade desta, retotalizar-se como “prática da liberdade”, em sociedades cuja dinâmica estrutural conduz à dominação de consciências, “a pedagogia dominante é a pedagogia das classes dominantes”. A interiorização da Pedagogia do oprimido só será possível através da reflexiva criação e recriação de seus próprios caminhos de libertação, um consciente e responsável caminhar nesses caminhos: “método”, “prática de liberdade”.
Toda realidade só vale para uma consciência. “Hegelianamente, podemos dizer: a verdade do opressor reside na consciência do oprimido. A Pedagogia do oprimido é, pois, libertadora do oprimido e do opressor. Não poderá haver dominação do opressor sobre o oprimido, se a consciência do oprimido não permitir”.
A Pedagogia do oprimido é um método abrangente pelo qual a palavra ajuda o homem a tornar-se homem, assim a linguagem passa a ser cultura. Paulo Freire aplica no campo da pedagogia, as palavras conscientização-conscientizar numa teoria humanista a favor da libertação do oprimido. A libertação é vista como um parto doloroso, pois é preciso arder para dar a luz:
Portar-se aberto
ao sol da realidade
num mundo onde ilusões
se dirimiram
É o despertar do homem
ao tempo
em que é preciso arder
para trazer às trevas claridade
“O homem que nasce deste parto é um homem novo, viável através da superação da contradição opressores-oprimidos, que é a libertação de todos. Mas, para isto, para assumir responsavelmente sua missão de homem, há de aprender a dizer a sua palavra, pois, com ela, constitui a si mesmo e a comunhão humana em que se constitui; instaura o mundo em que se humaniza, humanizando-o. A consciência é essa misteriosa e contraditória capacidade que tem o homem de distanciar-se das coisas para fazê-las presentes, imediatamente presentes. Tudo foi resumido por uma mulher simples do povo, num círculo de cultura, diante de uma situação representada em quadro: “Gosto de discutir sobre isto porque vivo assim. Enquanto vivo, porém, não vejo. Agora sim, observo como vivo”.
Se em todos os tempos líderes revolucionários reconhecem a necessidade das massas oprimidas aceitarem a luta pela libertação, aceitam o sentido pedagógico desta luta. Muitos, porém, usam na sua ação, métodos que são empregados na “educação” que serve ao opressor. Negam a ação pedagógica no processo de libertação, mas usam a propaganda para convencer...
Esta pedagogia não se justifica apenas em que passem a ter liberdade para comer, mas “liberdade para criar e construir, para admirar e aventurar-se”. Dizer a sua palavra e fazer a sua história. Tal liberdade requer que o indivíduo seja ativo, e a exerça com responsabilidade. Se as condições sociais favorecem a existência de autômatos ou oprimidos, o resultado é o amor à morte e não o amor à vida. Na relação de opressão em que estão reduzidos a quase “coisas”, é que se encontram destruídos. A luta por esta reconstrução começa no auto-reconhecimento de homens destruídos. A liderança revolucionária, em lugar de se sobrepor através das armas da dominação como a propaganda, o dirigismo, a manipulação, estabelece um diálogo permanente”, em que professor e aluno se colocam de igual para igual; o aluno aprendendo com o professor, e o professor aprendendo com o aluno.
O vernáculo assim como a poesia é símbolo, para abstraí-lo é preciso decodificá-lo, e o homem, não objeto, é o sujeito decodificador.
não é objeto
o homem
é sujeito
“Aprender a decodificar o que se lê conduz a abertura de possibilidades concretas de ultrapassagem de si mesmo. O que antes era fechamento, pouco a pouco se vai abrindo; a consciência se amplia além se seus limites; faz-se crítica”. Faço uma analogia da consciência com a cebola, que é feita de capas, a de fora é a casca grossa, mas cada vez que se amplia a consciência, é como se tirasse uma nova capa, rumo à parte mais interiorizada da cebola, que neste exemplo, é o estágio da consciência plena, da liberdade.
A ação política junto aos oprimidos tem de ser, no fundo, “ação cultural” para a liberdade, por isto mesmo, ação com eles. A sua dependência emocional, fruto da situação concreta de dominação em que se acham e que gera também a sua visão inautêntica do mundo, não pode ser aproveitada a não ser pelo opressor. Este é que se serve desta dependência para criar mais dependência”.
No plano da plenitude e diante de uma visão de mundo renovada, o homem ativo age sobre o mundo em que vive, transformando-o, como sujeito consciente do seu papel social, provocando mudanças na realidade presente, desprendendo-se das classes alienistas e libertando-se das demagogias impostas pelo sistema dominante, desencapando a consciência, dirimindo ilusões, e implantando novas vias a serem percorridas. Veja o diálogo intertextual que Millôr Fernandes estabelece com o poema de Manuel Bandeira ‘Vou-me embora pra Pasárgada’, e note a sua ação crítica adequada ao tempo e à realidade presentes, situando pasárgada num contexto político e pedagógico dominado por elites e repleto de incoerências e injustiças, onde para não se tornar refém desse mundo, o homem prefere afugentá-lo.
Que Manuel Bandeira me perdoe, mas
VOU-ME EMBORA DE PASÁRGADA
Vou-me embora de Pasárgada
sou inimigo do rei
não tenho nada que eu quero
não tenho e nunca terei
vou-me embora de Pasárgada
aqui eu não sou feliz
a existência é tão dura
as elites tão senis
que Joana, a louca da Espanha,
ainda é mais coerente
do que os donos país.
*João de Carvalho Fontes é médico neurologista e Edilberto Vilanova é acadêmico de Enfermagem