
Lembrando o beijoqueiro

*Por Ferrer Freitas
José Alves Moura, português, veio para o Brasil no início dos anos sessenta, fixando-se no Rio de Janeiro. Contava vinte e poucos anos e seu primeiro emprego na cidade maravilhosa foi como taxista, além de outros bicos que fazia para sobreviver. Sua fama, no entanto, viria bem mais tarde, exatamente quando passou a ser conhecido como o “beijoqueiro” após a apresentação no Maracanã lotado, em 26 de janeiro de 1980, de Frank Sinatra, quando conseguiu um feito até hoje objeto de discussão, pela sua coragem.
É que ele havia sido desafiado por amigos a cumprir uma meta quase impossível, subir no palco e beijar o famoso cantor conhecido como "the voice". Até hoje ninguém sabe o que fez, mas o português conseguiu driblar o esquema de segurança e, ao se aproximar dele, beijou-o na face, levando um safanão que o desequilibrou e por pouco não levou um tombo.
De uma hora para outra Moura ficou famoso. Participava dos mais variados eventos com o fim de se aproximar de celebridades a fim de repetir a façanha. Passou a ser conhecido de uma hora para outra e ganhou o apelido de “beijoqueiro”. Mas a fama também trouxe seus percalços. Foi demitido de seu emprego como taxista pois, segundo seu patrão, os clientes temiam que ele tentasse beijá-los.
Para a visita ao Brasil do Papa João Paulo II, em 1980, as autoridades tomaram medidas para que ele não fosse assediado pelo “beijoqueiro”, que foi detido no Rio de Janeiro e mantido preso até que o pontífice se dirigisse ao próximo destino de sua excursão por sete cidades brasileiras. José Alves seguiu para São Paulo, onde foi novamente detido. Ganhou da polícia uma passagem de volta para o Rio, mas preferiu ir para Curitiba, local da visita seguinte do Papa. É preso uma terceira vez e, de volta ao Rio, faz um apelo em praça pública. Duas horas depois, havia conseguido recolher o suficiente para pagar a passagem de avião até Manaus, destino final do Papa antes de deixar o país. Lá, conseguiu finalmente aproximar-se do sumo pontífice, dando-lhe beijos nos pés.
José Alves é um homem de boa altura, calvo e extremamente arredio. Certa vez almoçando com amigos cariocas em restaurante no bairro São Cristóvão, reconheci-o, certificando-me de quem se tratava. Sua lembrança me chega por alguém ter recitado em Oeiras para mim, após homenagem prestada ao inesquecível poeta Gerson Campos, o soneto “Versos Íntimos”, de Augusto dos Anjos, que contém o verso: “O beijo, amigo, é a véspera do escarro.”
(*) Ferrer Freitas é do Instituto Histórico de Oeiras