
Lilásia Freitas: uma grande mulher

Gutemberg Rocha (do Instituto Histórico de Oeiras)
Licença, Ferrezinho. Licença, Tereca e Afonsina. Licença, Toscano, Rita, Bené, Raimundo, Vicente, Tadeu, Socorro e Bibio. Licença pra falar um pouco sobre Dona Lilásia, vossa mãe, que, aos 92 anos de idade, acaba de partir para encontrar-se com o velho companheiro João Burane, vosso pai, que está no céu já há mais de três décadas! (Licença, também, Gerson Campos, para usar sua crônica como modelo nesta introdução).
Falta-me competência para escrever algo à altura dos merecimentos da homenageada; falta-me a competência que sobra em Ferrer Freitas, cronista que retrata como ninguém os acontecimentos e personalidades da nossa amada Oeiras, homenageando os vivos e os mortos com seus textos deliciosos. Mas, se o que vale é a intenção, atrevo-me a escrever estas mal traçadas linhas, nas quais coloco meu carinho e minha gratidão.
Raimunda Lilásia Mendes de Freitas, ou simplesmente Lalá, não passou pela vida: viveu! No dizer de Ferrer, ela sorriu para a vida, e, por isso, a vida também lhe sorriu; enfrentou dificuldades, mas a tristeza não teve espaço em sua alma. Como dona de casa, bordadeira e musicista, deixou a marca de uma mulher forte, decidida, talentosa. Como católica convicta, devota do Divino, devota de Nossa Senhora, distribuiu amor, transmitiu aos filhos a sua fé e participou ativamente da vida da Igreja. Por muitos anos ela enriqueceu as celebrações litúrgicas, além de eventos sociais e culturais, com o seu bandolim, dedilhando-o com mestria, ao lado de Petinha Amorim, Zezé Cabeceira, Nieta Maranhão e Rosário Lemos, que compunham a orquestra Bandolins de Oeiras, regida pela professora Celina Martins.
Recordo-me de um episódio, e aqui o registro, que comprova a sua generosidade. Aconteceu em Oeiras, nos festejos da Padroeira, não sei precisar o ano – talvez 2006 ou 2007. Estávamos na quermesse, ao lado da Catedral de Nossa Senhora da Vitória – muita gente, movimento, alegria, noite superagradável! O ambiente me induziu a cometer a insensatez de subir ao palco, pegar um violão e ousar uma apresentação. Não sei tocar violão, nem cantar, mas alguns dos presentes me acompanharam e improvisamos um coral. Ao final de três ou quatro números, agradeci a participação dos companheiros e a paciência dos espectadores, ciente de que o coral informal me salvara de um fiasco total. Alguém resumiu com perfeição o que acontecera: “O vocal foi razoável, mas o instrumental precisava melhorar muito para chegar a ruim”.
Dirigindo-me ao meu lugar, fui interceptado por D. Lilásia, que fez questão de dar o seu parecer. Falou com a franqueza da emoção, sensibilizada pela grandeza do seu coração. “Bonita apresentação! Você toca muito bem!”, disse-me ela. Fiquei estupefato, mas senti que não havia ali qualquer resquício de ironia ou deboche, e entendi que aquilo era fruto da sua generosidade. Agradeci, pedi desculpas pelas falhas e dei-lhe um beijo na testa como sinal de afeto.Então dei graças a Deus por existirem pessoas como D. Lilásia. Dei graças a Deus por Lalá existir e fazer parte da minha vida. Porque é uma bênção conhecer uma criatura tão amável, digna de ser chamada – fazendo eco, outra vez, às palavras de Ferrer – uma grande mulher!