
Memórias da guerra em tempos de guerra

Por Cláucio Gonçalves
Mamãe morava na casa de tio Cromwell Barbosa de Carvalho, irmão do meu bisavô Orlando, quando os primos dela Cecil e Kilson foram para a guerra. Cecil foi ferido na perna por bala de metralhadora numa das batalhas pela tomada do monte Castelo. Ele era tenente do exército. Kilson, engenheiro, foi pra guerra porque quis. Os irmãos, depois de lutarem na Itália, seguiram para Berlim, comemorar com os aliados a derrubada do 3° Reich . De volta ao Brasil, fizeram festa pra eles em Teresina, com desfile pelas ruas da cidade em carro aberto. Cecil, depois, foi pra Oeiras, onde a esposa, sua prima Anatália, era professora. Ela organizou um desfile cívico com os alunos do colégio no qual lecionava em homenagem ao marido, herói de guerra. Cecil e Kilson não ficaram no Piauí. Radicaram-se no Rio de Janeiro. Cecil seguiu a carreira militar.
Eu não costumava receber presentes quando menino. No máximo, um calção novo de mamãe no meu aniversário.
Um dia, tia Edul, mãe de Anatália, esposa de Cecil, chega do Rio de Janeiro e nos chama, mamãe e eu , lá no Alto do Xé, onde ela morava, e me deu de presente uma pipa (pra nós de Oeiras, suru), que ela trouxera de viagem especialmente para mim. Era enorme e tinha a forma e as cores de uma coruja. Eu corri muito pelas ruas de Oeiras tentando fazer o planador alçar voo, mas o brinquedo que tia Edul me dera insistia em não desobedecer a lei da gravidade. Nunca consegui fazê-lo ganhar o céu e nunca esqueci de tia Edul.