
Mocha e Pouca Vergonha entrando pelo cano

O projeto de "Macrodrenagem e Controle de Cheias" de Oeiras voltou a ser notícia na última quinta-feira, após reunião no Ministério Público, em Teresina, na qual tive assento como representante da Associação Ambiental de Oeiras (AMO).
Para quem não está familiarizado com o assunto, vamos relembrar que o projeto de macrodrenagem foi gestado na SEINFRA - Secretaria de Infraestrutura do Estado e conta com recursos do Ministério da Integração Nacional, na ordem de R$ 11 milhões.
Duas audiências foram realizadas no Ministério Público, em Teresina, em 2014, e uma audiência pública, no Cine Teatro Oeiras, também em 2014. Tiveram importância, digamos, informativa. Foram oportunidades para a sociedade e órgãos estatais e entidades ambientalistas conhecerem o projeto e avaliarem a sua dimensão.
Disse no parágrafo anterior que a importância de tais audiências foi predominantemente informativa porque sugestões e críticas feitas, com interpretações diferentes das dos autores do projeto, não foram levadas em consideração. Nenhuma delas. A AMO se concentrou no aspecto ambiental, sobretudo relacionado com os riachos Mocha e Pouca Vergonha.
O primeiro ponto a considerar no projeto de macrodrenagem é que foi feito “de cima para baixo”, sem discussão prévia, sem escuta da sociedade. Quando as audiências mencionadas acima foram realizadas – diga-se, com justiça, por intervenção do Ministério Público - o projeto já estava dado como aprovado pelos representantes da SEINFRA e da Prefeitura de Oeiras. Por mais que se lançassem argumentos lógicos para inclusão de aspectos ambientalistas e urbanistas, estes foram rejeitadas.
O segundo ponto a considerar é que o projeto de macrodrenagem, desde sua concepção, parece bastante restrito a ser um projeto hídrico e de engenharia. Seus autores não refletiram sobre ambientalismo e urbanismo, nem recuperação de áreas verdes, muito menos saneamento. Daí porque o Conselho de Arquitetura e Urbanismo e a Associação Ambiental de Oeiras, ao tomarem conhecimento do projeto, reivindicaram a inclusão de itens ambientais e urbanistas. Em vão.
O projeto sofreu alterações, nenhuma delas para atender itens ambientais. A principal delas foi a supressão do Açude do Outeiro, cuja previsão era de ser maior do que o Açude Soizão. Agora, na reunião da última quinta-feira, tomamos conhecimento de que um pequeno barramento, que seria construído próximo à Ponte Zacarias de Goes, foi também suprimido. Como um dos principais focos do Ministério Público é a questão ambiental, ficou acordada com representantes da SEINFRA , na reunião da última quinta-feira, a "possibilidade de destinar os recursos" previstos para esse pequeno barramento, no valor de R$ 180 mil, sejam direcionados para "elaboração e execução de Projeto de Arborização Paisagística do Riacho Mocha". Para isso, a SEINFRA fará consulta ao Ministério da Integração Nacional. Portanto, é só uma possibilidade de alguma melhoria ambiental no projeto. Sem dúvida alguma, pode ser mais uma ilusão dos que defendem atenção ambiental para a área do Riacho Mocha, especialmente a situada entre a Ponte Zacarias de Goes e a Ponte da Várzea, na área da infecta galeria.
Aspecto que causou certa perplexidade, pelo menos na nossa interpretação, é que o projeto de macrodrenagem prevê a construção de tubulações subterrâneas para conduzir água do Açude Soizão até, salvo engano, a Forquilha do Rio, no Riacho Mocha, e do Açude Canela até um ponto do Riacho Pouca Vergonha. Segundo o projeto, os dois açudes terão água suficiente para vazão durante oito meses do ano, destinada a "perenizar" os dois riachos (segundo os autores do projeto, nos outros quatro meses do ano, as chuvas garantirão o escoamento natural).
No nosso ponto de vista, é bastante questionável que os dois açudes (Soizão e Canela) tenham volume de água suficiente para uma vazão necessária a manter os dois córregos fluindo, especialmente após invernos de poucas chuvas, como tem ocorrido nos últimos anos. O simples fato de um pequeno fluxo d’água não nos parece também suficiente para "perenizar" os dois riachos. Este verbo está sendo usado pelos defensores do projeto mais como exercício de retórica do que como possibilidade real de existência. Para "perenizar", muitas outras providências deveriam ser previstas, entre as quais a recuperação e manutenção do pouco que resta da vegetação ciliar. Os ecossistemas dos dois riachos - muito degradados na área urbana - não foram sequer mencionados, que dirá estudados, para se poder falar em "perenização".
Contrária a tal ideia é a previsão contida no projeto de que os canos subterrâneos conduzirão a água, por alguns quilômetros dos dois riachos. Ora, no percurso onde os canos serão enterrados, a água não correrá na flor dos leitos, portanto não trará umidade em tais percursos. Por exemplo, sítios como Maracangalha, Primavera e Laranjeiras, por onde passa o Mocha, não receberão água do Soizão. Nesses sítios, o riacho continuará seco. A pouca água que houver entrará, literalmente, pelo cano.
Um dos argumentos manuseados pelos defensores do projeto é que a água que eles esperam fluir levará a sujeira concentrada na área da galeria, especialmente a situada próxima à Ponte Zacarias de Goes. Mesmo que isso aconteça, não nos parece uma opção inteligente, em primeiro lugar, porque essa suposta água só transferirá a poluição de um lugar para o outro, e pior ainda, para dentro do próprio riacho; em segundo lugar, isso não representa saneamento, que requer outros tipos de ações, como tratamento de esgotos, inexistente no projeto.
Em resumo, na nossa visão, o projeto de macrodrenagem é de uma obra de engenharia. Não há nele nada que autorize falar-se em "perenização". O poder público, mais uma vez, perde oportunidade de fazer algo realmente consequente para recuperar as áreas degradadas dos riachos Mocha e Pouca Vergonha.