
Falece em Oeiras, Maria de Souza Feitosa aos 83 anos
01/05/2025 - 07:33Matriarca da família Feitosa enfrentava uma doença pulmonar e deixou filhos, netos e bisnetos
A Oeirense Maria José Alves do Nascimento, mais conhecida como Nêga Mazé é uma forte liderança comunitária e defensora dos direitos das mulheres em Picos.
Atualmente exerce a função de diretora da Penitênciária de Picos. Ela concedeu uma entrevista ao Portal O Povo, parceiro do Mural da Vila, que reproduzimos a seguir.
Portal O Povo: Há quanto tempo a senhora vem desenvolvendo esse trabalho comunitário?
Eu iniciei no trabalho comunitário no final da década de 70, como liderança no movimento de igreja na Pastoral Social da Diocese foi quando comecei a tentar no meu bairro organizar a comunidade para criar a associação de moradores. A gente incentivou para que fossem criadas em vários bairros de Picos, e chegamos até Teresina com a preocupação de não saber como trabalhar com essas associações, nessa altura a cidade 9 delas, quando houve a idéia de se juntar as associações do Piauí inteiro, nascendo a FAMC – Federação das Associações de Moradores e Conselhos Comunitários do Piauí.
Portal O Povo: Quais foram as associações, movimentos e novidades trazidas com sua ajuda para Picos nesses anos de militância?
Nesses anos passei pelo movimento de Igreja, depois fui para o movimento comunitário da associação de moradores, em seguida foi surgindo o movimento negro que inclusive tive a felicidade de estar colaborando como coordenadora da assembléia geral para que fossem criados os movimentos UNEGRO e a OCN. Quando você entra em um movimento vai descobrindo a necessidade de se especificar a luta por categoria e assim os movimentos vão surgindo e cada qual vai pegando as suas bandeiras específicas, eu até gosto de dizer que a FAMC teve esse incentivo para que surgissem outros movimentos, como o de mulher, criança e adolescente. Depois de passar pelo Conselho Tutelar, onde fui a conselheira mais eleita em Picos, depois priorizei movimento de mulher considerando que havia uma necessidade muito grande em se combater a violência doméstica, surgindo a luta pela delegacia da mulher, outra conquista. Mas a liderança comunitária não pode se dar o luxo de priorizar um movimento.
Portal O Povo: Nesses dez anos frete ao movimento a favor da mulher, quais foram os grandes embates e quais foram as grandes conquistas?
O embate maior que a gente sentiu foi a criação da Delegacia da Mulher na lei Maria da Penha que foi uma grande mobilização no Brasil inteiro pela sua aprovação, e no momento o grande embate é a aplicação dessa lei. Para a devida aplicação não é necessário só a delegacia, mas os juizados especiais, o SOS Mulher, uma equipe multidisciplinar, uma casa de apoio para as vítimas da violência, estas são todas essas dificuldades que temos pela frente para implementarmos de fato a lei Maria da Penha. Mas não posso deixar de falar de outro grande problema, o número crescente de estupros a menores e adolescentes, onde não está sendo decretada a prisão preventiva desses elementos que cometem o estupro, então acho que a sociedade precisa se organizar mais para que possamos combater isso.
Portal O Povo: Recentemente um membro da Polícia Militar do Piauí comentou em alguns meios de comunicação que a lei Maria da Penha existe, mas não está sendo cumprida, quando a policia chega ao local para efetuar a prisão do companheiro agressor a esposa retira a queixa. O que está faltando?
Se a lei existe, ela deve ser aplicada, se a polícia chega e pega em flagrante sua grande obrigação é obedecer à lei, prender.
Portal O Povo: E nos casos em que a polícia não faz o flagrante, e a mulher acaba retirando a queixa por não desejar que o seu companheiro, mesmo agressor, seja preso?
Falta ainda conscientização para muitas mulheres, mas isso só acontece porque a mesma se sente sem apoio, ela na tem uma Casa Abrigo onde possa ficar com seus filhos, ela não tem uma política de emprego e renda que possa apoiá-la, a mulher não tem nada e é vulnerável na mão dos batedores, porque a única proteção que tem é na mão do batedor. Então é bom que a sociedade acorde e ao invés de ficar usando desculpas para não prender batedor, veja a necessidade de se criar proteção a mulher. Como é que a mulher pode querer prender seu esposo se a polícia prende hoje e a justiça solta amanhã, sem falar que de cem se prende um. Então como é que mulher pode estar segura em uma situação dessas? Se não tem juizados especiais que priorizem seu caso para que o processo ande? E quem vai dar comida para as crianças? Ou seja, uma série de situações envolve a justiça, o poder público e a pouca conscientização que faz com que a mulher retire a queixa.
Portal O Povo: A senhora passou boa parte da sua vida defendendo os direitos das pessoas, hoje está na academia cursando Direito, de onde partiu esse desejo?
Às vezes fico preocupada considerando o avanço da minha idade, mas quero dar esse estímulo às pessoas de que enquanto a gente estiver vivo, temos que estar lutando. O meu estímulo veio da necessidade e da ignorância da nossa comunidade, a dificuldade em entender os seus direitos, saber o que o “Doutor” fala. Então espero que não só eu, mas essa nova geração que está saindo dos cursos de direito tenham essa responsabilidade com os movimentos sociais, como as questões sociais, para que a gente esteja de fato tirando as nossas leis do papel. Minha preocupação vem de estar junto ao povo sentindo essa necessidade, eu não tenho muito tempo, mas o pouco que tenho quero usar para entender as coisas e poder ajudar na comunidade.
Portal O Povo: Como a senhora avalia atualmente os movimentos comunitários na cidade de Picos?
Nós estamos com um problema na cidade de Picos, e acho que ele está na própria conjuntura. Nós passamos a vida toda no confronto contra o poder, achando que eles eram nossos adversários, essa era a nossa idéia. Agora que o Partido dos Trabalhadores ganhou, e nós chegamos ao poder foi um impacto, então houve uma parada porque o movimento se assustou, estamos nos levantando e achando um caminho pra gente andar dentro do nosso próprio governo.
Portal O Povo: Momento aberto para mais algum comentário...
Não me arrependo e nem me arrependi, é um trabalho comunitário, é um trabalho voluntário e em termos de bens materiais não consegui juntar nada. Mas consegui juntar muitas amizades, a credibilidade e me tornar uma pessoa popular e amada pelas pessoas de Picos, elas acreditam em mim e eu acredito nessas pessoas e isso me faz sentir muito bem, se fosse pra começar de novo, eu começaria novamente.
Portal O Povo - Parceiro Mural da Vila