
O assassinato dos olhos d'água

*Por Rogério Newton
Próximo à rua onde moravam Seu Raimundo, Dona Rosa Catingueira e João Toco, havia um olho d’água que brotava no leito pedregoso do Mocha. Para protegê-lo, a Municipalidade mandou construir uma paredinha com uma tampa metálica por cima. Menino e rapazote, vi, muitas vezes, a água minando. Perto dali, nos lajedos por onde passava a corrente, lavadeiras batiam roupa e estendiam sobre as cercas de arame, que ficavam parecendo painéis coloridos.
A paisagem não é a mesma, mas, toda vez que vou a Oeiras, não deixo de aventurar-me numa caminhada, passando pelo que restou do Poço dos Cavalos e pela Bica, até alcançar a Fazenda Maracangalha e voltar pelo mesmo caminho, não sem antes ter um dedo de prosa com Vicente Camarço, no curral da Malhada Alta, ao lado da casa. Às vezes, encontro Gustavo Rego e sua cachorrinha, passeando entre as árvores altas que ladeiam a servidão de passagem.
Se o leitor reconhece aqueles sÃtios, sabe que são belos. Embora sem a mesma exuberância que deliciou oeirenses até minha geração, são verdes e agradáveis. Puro deleite nas manhãs cheias de sol. Enquanto existirem, serão para mim bálsamo, poesia e dor.
Mas voltemos ao olho d’água do inÃcio desta crônica. Quer dizer, voltemos a ele em memória, porque está desfigurado. Pior que isso, soterrado, seco, sujo, entupido de lixo. Ensombrado por uma obra de arte que só o governo sabe fazer. Não é mais um lugar sagrado.
Caminhando até a Ponte Grande, a dor quase não deixa prosseguir. Debaixo do mesmo céu de imortal claridade, o esgoto gigante, as margens estéreis e nuas. ConstruÃram um arruamento sobre as cinzas das árvores mortas. A tarefa estaria incompleta, não fosse o assassÃnio de outro olho d’água, que também possuÃa paredinha e tampa metálica. Um morador, para chegar de carro à sua garagem, entupiu a fonte com areia.