
O dia em que Oeiras chorou

* Agnelo Pereira dos Santos
Oeiras guarda as marcas de gerações que, em seu solo, construíram juntas a história do Piauí. Uma história de tantos enredos inscritos em suas configurações e em seus anais. Teresinha Queiroz afirma que Oeiras “é a cidade que melhor simboliza as conquistas, as glórias e os percalços e as dificuldades dos percursos do Piauí enquanto unidade institucional e social”. Com razão, pois a nossa urbe primeira vivenciou a Civilização do Couro, foi sujeito e testemunha por longos anos das tramas e dos conflitos que determinavam os rumos da economia, da política e da sociedade piauienses.
Entretanto, considerando que os impérios, como as cidades, nascem, crescem ou migram, ou desaparecem, Oeiras viu esvair-se de seu solo as riquezas que dantes movimentavam a economia e impulsionavam, ainda que lentamente, o progresso da região. Fragilizada pelo declínio da criação de gado, sua base de sustentação, permitiu dissipar-se de seu controle os destinos administrativos da capitania.
O ano de 1852 foi decisivo para a transferência da capital para Teresina. Dos registros publicados sobre o processo de transferência e a reação da sociedade local, Monsenhor Chaves enfoca as idéias dos administradores antecedentes ao Conselheiro Saraiva de realizar sem sucesso a transferência. Especulou-se, inclusive, a cidade de Regeneração para a sede do governo, em face de sua localização em região mais central. Mas quando assumiu a presidência da província, José Antonio Saraiva estava determinado. A transferência da capital foi conseqüência de uma engenharia política idealizada por ele, começando o seu projeto vitorioso obtendo a maioria da assembléia de 1852.
Higino Cunha, em seus habituais embates na imprense sobre as datas cívicas piauienses firmou na época que “Teresina foi a vontade de um homem convertida em lei, realizadora da antiga aspiração de alguns idealistas ou visionários”. Para Chaves, a luta a disposição de Saraiva fora tanta que ele não recuou diante de consideração alguma, nem mesmo da sua salvação pessoal. Sobre a reação do povo oeirense ele observa que “os ânimos se irritaram e era um verdadeiro clamor público contra o presidente, que os mais exaltados cobriam de injúrias e juraram tomar, mesmo no Poti, uma vingança estrondosa e sanguinária”. Para o autor, muitos acreditavam na permanência da capital em Oeiras:
Queriam, pois, que o erário público ficasse em Oeiras, como garantia da permanência da capital e um protesto contra o ato presidencial. Assim, no dia em que o cofre, colocado em carro puxado por bois, partiu de Oeiras, cercado de numerosa força armada, a população desiludida, abandonava a idéia de revolta, que realmente nunca tivera, entregou-se a uma dolorosa desolação, acompanhando-o até o lado oposto da ponte construída sobre o Mocha pelo Dr. Zacarias, soluçando. Foi um dia de luto geral.
Sobre as consequências da transferência o historiador Dagoberto de Carvalho relata em seu sentimentalismo eloqüente que Oeiras “com a mudança da capital, perdeu a hegemonia que desfrutava desde o alvorecer da civilização. Fato de incalculáveis consequências reflete-se este, hoje ainda, no espírito de nossa gente em sua decadência conformada de cidade esquecida”.
Amada Reis, por sua vez, afirma que após a transferência de todo o aparato político-administrativo, ficou “a antiga urbe mergulhada na desolação, entrando em um estado de apatia e decadência econômica, por longos anos assim viveu prostrada nessa letargia sem pressa de acordar para o mundo”. Era o começa do fim da Civilização do Couro e a cidade de Oeiras recolhia-se à vida bucólica. Uma espécie de hiato histórico que duraria até os anos trinta do século seguinte, quando, impulsionada pelo ciclo da carnaúba e as idéias de progresso e modernidade que permeavam o mundo, a cidade reencontrava a autoestima através de diversas intervenções urbanas, promovedores de mudanças de novos hábitos e valores à sociedade local.
(*)Agnelo Pereira dos Santos é historiador.