
Oeiras de Bom Jesus dos Passos

* Por Augusto Brandão
Retornei a Oeiras, seis meses depois, para assistir à manifestação religiosa mais bonita do povo oeirense, ou seja, a festa de Bom Jesus dos Passos. À medida que o tempo passa, a saudade aumenta e a gente vai amiudando o espaço entre uma visita e outra. A última passagem tinha sido, em outubro passado, quando percorri seus becos e subi seus morros.
Deus vos salve, Virgem Filha de Deus pai.
Deus vos salve Virgem de mãe de Deus Filho.
Deus nos salve,
Virgem esposa do Espírito Santo.
Deus vos salve Virgem, templo e sacrário da Santíssima Trindade.
Confesso que não me lembrava direito dos passos dados por aquela multidão de mais de 30 mil pessoas, espremidas naquele manto de fé e esperança e muito menos da última vez que tinha assistido àquele show de pés descalços, pedra na cabeça e cruz nos ombros. Impressiona a expressão de confiança em cada olhar e gesto daquela gente sofrida, do sertão do Vale do Canindé, em Bom Jesus dos Passos. Vem gente de toda parte e lugares, e até mochenses saudosos.
Abre os meus lábios.
Divino senhor,
Dirá minha boca.
O vosso louvor.
Na quinta-feira, à noite, acompanhei atentamente a fugida de Jesus da igreja da Vitória até a do Rosário, e o silêncio daquele povo, em meio a falatórios e correria de fotógrafos e cinegrafistas de emissoras de televisão, que transmitiam, ao vivo, a programação religiosa. A procissão, predominantemente, lilás, cor do manto de Jesus, seguia as curvas dos becos, ora descendo, ora subindo, como o pulsar de cada coração presente.
Sede em meu favor,
Deus Onipotente.
Vinde socorrei-nos,
Sede diligente.
Crianças, adolescentes, jovens, velhos, todos se comprimiam, naquele cordão de fé e amor, seguindo a procissão, como se fossem verdadeiros soldados, guardiãs e protetores de Jesus. E aquele ritual é repetido de geração a geração. Não se sabe, exatamente, quando começou, mas tem-se a certeza de que ainda perdurará por muitas décadas.
Glória ao Pai e ao Filho,
Ao amor também,
Que é Deus
Em pessoas três.
Passadas largas, topadas, escorregões, uns segurando nos outros, para não cair, os devotos atravessavam a ponte sobre o riacho Pouca Vergonha, carcomido pelo tempo e abandonado pelas autoridades. O cortejo vivo seguia sua peregrinação secular, rompendo o silêncio da noite até o Lago do Rosário, ponto alto da cidade, em noite escura com tempo bonito pra chover. E uns pingos caíram do céu como sinal de benção e proteção. Muitos ganharam um saquinho lilás com flores de jasmim, para perfumar suas casas.
Como no principio,
Agora e sempre,
Por todos os séculos
Dos séculos.
Amém.
Uma hora de cantoria do ofício de Bom Jesus, de meio dia a uma da tarde, com calor forte e sol escaldante, daquela sexta-feira santa, é outro momento forte da programação que, neste ano, tem como tema “Jesus Cristo, caminho, verdade e vida” e como lema “A juventude de Oeiras, seguindo os passos do Bom Jesus”. Acompanhei a reza pelo rádio, ao lado da minha mãe Socorro, mas dava para imaginar a expressão daquela gente naquele momento de fervor e devoção.
Do Pai esplendor
Dos céus alegria
Pelo nosso amor
Mui triste se via.
Logo depois das quatro da tarde, daquela sexta-feira de céu nublado e alguns trovões, ouvi o soar de um bombo. Era o Bom Jesus que deixava seu esconderijo, no Lago do Rosário, em direção ao Lago da Matriz, para encontrar com sua mãe Maria. Momento de pura emoção e muita reflexão sobre a simbologia daquele instante para a vida de cada um de nós, individual ou em grupo.
No Horto suando,
Com grande agonia,
Mas temendo a morte,
Aflito jazia.
Antes de chegar à Praça da Vitória, as mais de 30 mil pessoas se espremem, entre becos de calçamentos irregulares, num percurso lento e suado. Após atravessar o Beco Coelho Rodrigues, beber água, doada por Dona Socorro, gesto que se repete há uns 40 anos, e moradora da casa nº 40, há quase 60 anos, acontece o momento sublime: o encontro de Jesus e Maria. Não deu para ver ninguém chorando, mas era visível o sentimento de paz no coração das pessoas.
Para que gozemos
Os céus algum dia
A Jesus dos Passos
Tornemos por guia.
A procissão seguiu seu ritmo, as pessoas suas passadas, o zunzum soava, na Praça da Vitória, Maria Béu, a Verônica, entoava seu cântico. Antes do sermão de Dom Jacinto Furtado, Arcebispo da Arquidiocese de Teresina, uma voz entoou um canto bonito. O canto parecia um aboio das festas do Dia do Vaqueiro.
Bendito sejais,
Meu doce Jesus,
Que o mundo remistes
Pela Santa cruz.
A procissão de Domingo de Ramos saiu da igreja da Conceição em direção à igreja da Vitória. E, de novo, lá estavam os fiéis, com seus ramos nas mãos, acompanhados da banda de música Santa Cecília, cantando feliz pelas ruas e becos da velha capital piauiense. Na Vitória, lotada, o bispo Juarez da Silva fez uma analogia entre os tempos de Jesus e de hoje, com o homem cometendo os mesmos erros de infidelidade, praticando as mesmas injustiças, tomado pela mesma ambição e glamour, exibicionismo e ostentação.
Dos fiéis as almas,
Divino Senhor,
Convosco descansem
Em paz e amor.
A programação seguiu sua liturgia e o povo seu cotidiano de trabalho e pecado, pedido de perdão e devoção, que culminou com a procissão de missa do Senhor Ressuscitado, no domingo da ressurreição, na igreja catedral.
Ouvi, Bom Jesus,
Minha oração.
Cheguem os meus brados
Ao vosso coração.
A fé é um dobrado que acalenta o povo mochense, há séculos, além das fraquezas e virtudes inerentes ao ser humano.
* Augusto Brandão, Jornalista, nascido em Oeiras-PI, residente em Fortaleza-CE.
Fortaleza, 27 de março de 2013.