
Opinião: Arte instigante

Por Rogério Newton
Já é do conhecimento de todos que fazer teatro em Oeiras é tarefa difícil e arriscada. Que o digam Lameck Valentim, que anunciou, há poucos dias, sua retirada dos palcos, e Xico Carbó, às voltas com enormes dificuldades para criar um curso de iniciação ao teatro na cidade.
Malgrado os obstáculos naturais e os oferecidos pelo meio, um grupo de pessoas jovens, mantém há vários anos a regularidade de apresentar a Paixão de Cristo na Praça das Vitórias, o que tem ocorrido sempre na Quarta-Feira de Trevas. Este ano não foi diferente: o espetáculo foi encenado em diversos locais da praça, acolheu público significativo e, apesar da chuva e de imperfeições da montagem, conseguiu a proeza de manter acesa a chama e a magia do teatro em Oeiras.
Para mim, as cenas mais ricas foram a Santa Ceia na calçada da Casa de 13 janelas, Pilatos falando da sacada do Sobrado dos Ferraz e o percurso de Jesus entre o sobrado e o local da crucifixão dele e dos dois ladrões. Pareceu-me acertada a escolha da fachada de casarões históricos para servirem de cenário a algumas representações. A movimentação decorrente das mudanças de locais de cenas, fato comum em representações da Paixão, é um dado positivo. O público vai junto, de maneira a ocupar também diferentes pontos da praça, o que faz lembrar autênticos espetáculos de Tetro de Rua.
É inacreditável que o elenco, constituído por atores jovens, quase todos com escassa formação ou experiência em teatro, tenha realizado a peça em praça pública. Não lhe podemos exigir perfeição. Apenas esperar que, com o tempo e orientação segura, possam melhorar. Problemas comuns a iniciantes, como movimentação excessiva, gestos estereotipados e falas sem pausas ou nuances de voz, podem ser resolvidos com prática disciplinada e estudo.
O som em play back certamente tem suas razões de ser, porém talvez não seja a melhor opção, porque sempre depõe contra a vivacidade e a instantaneidade que o teatro possui. Grande desafio para a direção, elenco e produção seria o uso das falas ao vivo. Creio que isso emprestaria ao espetáculo maior validade estética e possibilidade de melhor comunicação com o público.
A Paixão de Cristo de Oeiras tem amplas possibilidades de aperfeiçoamento nas versões futuras. Em teatro, a principal figura é o ator. A preparação deste talvez seja o principal aspecto a ser trabalhado. Porém, numa montagem de grande envergadura como essa, exige-me mais não só do ator, mas do diretor, do figurinista, do cenógrafo, do sonoplasta, do maquiador, do produtor, dos técnicos, dos patrocinadores, de tanta gente que faz o espetáculo acontecer.
Por tudo o que fizeram, os realizadores do drama merecem aplausos e estímulos, não só para darem continuidade e aperfeiçoamento à Paixão de Cristo, mas também encenarem outras peças. Atores e gente que ama teatro nós temos, mas precisamos de outras coisas imprescindíveis para a realização de uma arte tão instigante e difícil.