
Opinião: Centenário de um oeirense Gentil

(*) Ferrer Freitas
No programa “A Voz do Brasil” de antigamente havia a seção “Aviso aos Navegantes”, cujo intuito era o de orientar os que viviam no mar sobre o funcionamento de faróis, se estavam acesos ou apagados, além de informações outras pertinentes. A lembrança dessa parte do famoso noticiário é aqui posta para dizer que o oeirense centenário de que tentarei traçar um ligeiro perfil, como posto no título, não era político, nem o que se pode chamar de ricaço. Foi simplesmente o primeiro filho de Oeiras a graduar-se em odontologia. Em outras palavras, o primeiro cirurgião-dentista formado da velha terra das margens do Mocha, como gostava Possi de referir-se a Oeiras, isso, naturalmente, quando a corrente ainda existia.
Seu nome completo era Antônio Gentil de Sousa Mendes que, se vivo estivesse, teria completado 100 anos no dia 2 de junho. Eram seus pais Pedro de Souza Mendes e Ana Fé do Rego Mendes que faleceram deixando-o ainda muito garoto. Não diria que guardo boas lembranças dele dos meus tempos de menino, simplesmente pelo fato de ter ido algumas vezes a seu consultório, instalado na própria residência, o hoje Solar das 12 Janelas, para procedimentos odontológicos, inclusive extrações.
Graduado em 13 de dezembro de 1941 pela Faculdade de Odontologia e Farmácia da Universidade Federal do Ceará, em Fortaleza, retornou a Oeiras e contraiu matrimônio em 20 de julho de 1943 com Maria da Natividade Clementino Mendes , a muito conhecida e querida dona Nini. Do consórcio nasceram, pela ordem, Raquel, Pedro, Ana, Irmina e Rosário, todos diletos amigos. Vale esclarecer que não sei a que se deve o Gentil do seu nome, mas permito-me registrar o que me disse certa vez o filho Pedro. Em viagem de ônibus, de ida ou volta a Oeiras, não lembro bem, o número de passageiros excedia o permitido, quando numa parada, parece-me que em Amarante, adentra o veículo uma figura grada a todos nós oeirenses, Galeno Ribeiro, já em idade avançada. Pedro, mais que depressa, chama-o e cede seu lugar e dele ouve: “um filho de Gentil só poderia assim agir”.
Lembro de Totonho, como alguns amigos ainda o tratavam, prestando seus serviços odontológicos na Colônia Agrícola Nacional do Piauí (CANPI), projeto de que resultou o município Colônia do Piauí. À época, anos cinquenta, moramos lá. Meu velho, João Burane, trabalhando como motorista, e minha mãe, a saudosíssima Lalá de todos, como professora de primeiras letras de filhos de colonos. Às quartas-feiras, a principal incumbência de meu pai era transportar os médicos Laurentino Pereira Neto ou Paulo de Tarso, no exercício dependendo do partido no poder, e nosso odontólogo aqui perfilado. Fiz inúmeras vezes essa viagem, ida e volta, e nunca esqueço das tiradas pitorescas dele, dr. Antônio Gentil, que a todos divertia. Seu senso de humor era admirável e me permito, para encerrar, contar uma genial saída após papo de dondocas ouvida em final de banquete em que ele estava presente. A conversa era sobre frutas e as preferências. Cada uma, querendo esnobar um pouco, falava de espécies raras, pouco conhecidas. E tome de nêspera, amora e outras que ninguém conhecia. Ao ser perguntado sua preferência, o velho e saudoso Gentil disse em alto e bom som: “gosto mesmo é de cagaita, grão-de-galo e jatobá”. Precisa dizer mais?
(*) Ferrer Freitas é do Instituto Histórico de Oeiras