
Opinião: História feita com arte

* Por Júnior Vianna
Sem beleza aparente e desprovida das características sofisticadas do barroquismo europeu, a imagem primitiva de Nossa Senhora da Vitória é insígnia da ousadia da Cátedra de Olinda-PE na labuta catequética que não se vergava diante as adversidades sertã. Simplória, o ícone esculpido foi projetado sobre uma peanha onde se ver três anjos bem rechonchudos e sobreposto à roupagem clara que lhe cobre tem-se um manto azul escuro. Na cabeça sem véu, está assentada uma coroa de prata, tão quanto o cetro da mão direita, visto que na esquerda segura firmemente a imagem do menino Jesus.
Para que beleza se a fé era o mais importante? Sobre o retábulo rústico da recém-edificada ermida se pôs a imagem seiscentista, talvez esculpida em algum atelier do nordeste colonial brasileiro, onde o artesão tivera o seu nome depositado sob a lápide do esquecimento. Jaz o artista anônimo, para sempre imortal no ícone talhado, que deu forma a Virgem Venerada da Vitória, talvez esculpida em madeira de lei da Mata Atlântica.
A imagem primitiva de Nossa Senhora da Vitória por muitos anos foi à referência das romarias sertanejas do Piauí nascente. Eram homens e mulheres que caminhavam léguas e léguas rumo a Freguesia do Brejo do Mocha para cumprir suas orações. Ao derredor de seu templo, em regras portuguesas foi se formando a sociedade piauiense, composta na sua maior parte de sesmeiros-aventureiros que aportaram no Brasil no propósito de prosperarem economicamente. Assim, mesmo distantes de tudo e de todos, veneravam a Virgem Maria, prática que um dia aprenderam com seus antepassados. Aos pés da imagem devotada debulharam rosários pelos vivos e defuntos e entoaram em vossa honra benditos e ladainhas.
Preterida, a imagem primitiva foi recolhida a sacristia da Matriz, em decorrência da chegada de outra imagem de mesma devoção, ficaria ali por muitos anos até ser levada para domicílios particulares, tradição de hospedar as imagens sacras nas casas de pessoas abastadas enquanto a igreja ou altares passavam por reparos. Diante a essa prática a imagem não mais retornou a igreja que um dia fora construída para ela.
Coube o zelo nos últimos anos da primitiva imagem, a família do ex-sacerdote Leopoldo Portela, que tomados pelo bom gosto cultural, proporcionaram-na uma descente restauração, atitude que a protege do desgaste natural do tempo. Mesmo diante de tanta presteza, é preciso esclarecer que a imagem primogênita de Nossa Senhora da Vitória é um patrimônio Artísitico da cidade de Oeiras. Já se sabe que mesmo diante aos trâmites judiciais a família se mostra solicita em devolver a peça a Diocese de Oeiras, gesto nobre, como fizera a Família Nunes em Fortaleza - CE, que depois de quase 157 anos de posse da primeira imagem daquele lugar, no transcorrer da solenidade da assunção da Virgem Maria, devolveram a imagem Primitiva de Nossa Senhora da Assunção ao povo cearense.
A devolução da imagem de Nossa Senhora da Vitória se faz bem sugestiva no momento em que se comemoram os 30 anos da instituição do Museu de Arte Sacra, casa de memória e importante repositório de obras sacras das Igrejas colônias de Oeiras. O local é por demais propício para que os muitos visitantes possam apreciar aquela que um dia fora a mais devotada imagem dos Sertões de Dentro.
Muito já se perdeu do patrimônio sacro da cidade de Oeiras, o retorno da imagem primitiva de Nossa Senhora da Vitória seria o primeiro passo para que outras famílias que também detém peças do mesmo seguimento possam devolvê-las a diocese, para que possam ser encaminhadas ao Museu de Arte Sacra. Assim, é preciso que muitos pratiquem o desapego pelas coisas alheias e da velha mania de ser apossar dos bens da coletividade.
* Junior Vianna é historiador e membro do Instituto Histórico de Oeiras