
Opinião: Uma festa que me trouxe lembranças...
Carlos Rubem*
Adolescente, vi nascer – e dar os seus primeiros passos – o Instituto Histórico de Oeiras, em 1972, ano no qual assinalou o sesquicentenário da independência do Brasil. Dita instituição esteve à frente das comemorações alusivas àquela efeméride, realizadas, pomposamente, na Primeira Capital do Piauí. Monumentais palestras foram proferidas acerca desse tema. Naquelas solenidades, notava-se a presença indefectível do Desembargador Antônio Santana Ferreira de Carvalho, aposentado, sócio fundador daquela instituição cultural, envergando passeio completo como sempre se apresentava em ocasiões que tais. Aliás, por essa época, tive a minha primeira namorada, linda, virginal amor!
O aludido sodalício – do qual me tornei presidente anos depois – e a Confraria Eça-Dagobertiana comemoraram, no sábado passado (26/07/14), o centenário de nascimento do referido magistrado. Evidente que amigos e familiares do homenageado promoveram também e participaram deste evento memorialístico. Da programação constou missa gratulatória, na Igreja da Conceição, ministrada pelo Bispo Diocesano Dom Juarez Sousa da Silva; descerramento de placa e lançamento de selo personalizado no Ginásio Poliesportivo que leva o nome do reverenciado e o panegírico proferido pelo advogado Moisés Reis, por sinal, afilhado do juiz de direito em comento. Em forma de agradecimento, foi lida uma mensagem do primogênito do Dr. Antônio Santana, o médico e escritor Dagoberto Carvalho Jr, que se fazia presente, mas resguardou-se de tal emoção, pois, embora restabelecido, há pouco sofrera uma delicada operação cardíaca, em São Paulo. As atividades cerimonialistas ficaram a cargo da professora Cassi Neiva. Festa marcada de humanismo, apelo telúrico, resgate cívico. Enfim, uma página de saudosismo consequente!
Durante a fala do Dr. Moisés Reis, que bem se desincumbiu desta tarefa, afloraram em mim várias lembranças daquele homem público que dizem respeito a minha pessoa. Restrinjo-me relatar apenas duas delas, abaixo transcritas:
O meu avô materno, Joel Campos, foi Oficial do Registro Civil. Talvez eu tivesse uns sete anos de idade quando, numa manhã, chegou ao Cartório do meu avô – que era instalado numa dependência da sua casa de moradia, situada na Rua da Feira – o Dr. Antônio Santana para fazer alguns casamentos, trazendo consigo a sua toga. Ao passo em que os nubentes, matutos “bem” enfatiotados, preparavam-se para este ato formal, apossei-me da roupa talar do celebrante e a vesti. Dirigi-me ao interior da residência. Tornei-me verdadeiro Zorro, heroi das revistas de quadrinho que lia. Causei o maior alvoroço aos adultos circunstantes! Quanto mais me gritavam para devolvê-la, mais corria... Alcancei a porta da rua e rumei em direção ao Mercado Público. Passado algum tempo, acheguei-me de mansinho certo de que iria ser repreendido. Porém, o Dr. Antônio Santana nada me reprochou. Ao contrário, abraçou-me ternamente. Em face desta presepada, a vovó Bembém fez questão de limpar aquela esvoaçante capa preta que povoou a minha imaginação infantil.
Doutra feita, o episódio ocorreu na Farmácia Reis, que pertencia ao meu tio paterno Alberto. Localizava-se numa esquina do centro comercial, onde havia quatro portas de madeira. Para lá acorria muita gente a fim de papear. Diariamente, o Dr. Pedro Sá, de provecta idade, também Desembargador aposentado, reserva moral da cidade, tinha sua cadeira cativa. Eu cursava o primeiro ano de Direito, em Fortaleza. Era período de férias, julho de 1978.
Aqui vivia um homônimo do Dr. Antônio Santana, este outro um rurícola também por todos conhecidos.
Em dado momento, pela calçada correspondente à botica, passou o dito camponês. Ao vê-lo, cumprimentei-o declinando seu nome. Acontece que, ao mesmo tempo e por outro ângulo, o Dr. Pedro Sá viu sendo transportado num carro (Belina) o seu colega conterrâneo, acima mencionado. Achando que eu havia tratado, sem a devida deferência, a impoluta figura do Dr. Antônio Santana, ele, de maneira apoplética, passou-me uma carraspana em regra, que ouvi quieto e calado.
Refeito do carão que recebi, procurei esclarecer a situação alegando o que, de fato, ocorreu. – Dr. Pedro Sá, eu não me referi ao Desembargador e sim ao campesino Antônio Santana. “Pois só acredito se você me provar o que está me dizendo”, desafiou-me. Incontinenti, fui atrás do vilão Antônio Santana que já se encontrava na feira citadina e o trouxe à presença daquela contumaz admoestador. O certo é que, este Antônio Santana, homem dado, cumprimentou o Dr. Pedro Sá, que, diante da conversa entabulada, acabou dando suas tonitruantes gargalhadas. Quanto a mim, mesmo sendo esclarecida a confusão, ele em nada amenizou a porrada que me deu e que me causou um trauma já superado...
Concordo com o pensador italiano Norberto Bobbio que disse: “somos aquilo que lembramos!”.
*Promotor de Justiça