
Os segredos de Amarante

Acariciada pelas barbas longas do Velho Monge, está ali Amarante, discreta, vendo o tempo passar. Os beirais dos casarões antigos são testemunhas de dias de glórias, quando aportavam as embarcações abarrotadas de produtos europeus. A velha vila oitocentista é repositória de boas histórias, algumas já silenciadas, outras, ainda impressas nas faixadas dos solares com seus brasões. Quanta teimosia e quanta ostentação! É, se não, os resquícios da heraldicidade lusitana, presa nas fendas da memória.
Na Avenida Desembargador Amaral, solitária com seu cajado, caminha dona Bizinha, que por duas vezes foi prefeita e por outras quatro legislou no município. Os cabelos brancos sinalizam o tempo, desgastaram-se em sinal da experiência adquirida, desbotam tão quanto os azulejos de um casarão naquela rua. Azulejos opulentos, que na pressa do tempo e no desdenho das informações não se sabem se vieram de Portugal ou da Inglaterra, mas imprime-se sobre a taipa de pilão o bom gosto de quem um dia a mandou erguer.
Na mesma rua, fica o museu do Divino. A dona da casa, com a mesma simpatia de sempre, abre em saudação as salas, os quartos, o pátio e a cozinha. O cheiro do bolo de queijo aromatiza a residência de meias paredes, as mesmas que foram construídas para que nos dias de calor circulassem a aragem que vinha do pátio. Casa de ladrilho, os mesmos que um dia pisaram gente “grande”, os mesmo que ficaram como testemunhas e hoje servem como passagem para os devotos do Espírito Santo.
As ruas adjacentes, estreitas, são cúmplices do tempo. As pedras postas na urbanização antiga são praticamente as mesmas. Os casarões com suas janelas desenhadas pelo arquiteto anônimo dão as mesmas uma beleza inigualável, da sensação que a cidade tenta hipnotizar o transeunte. É tanta beleza, que não tem como não ser fisgado pela atmosfera poética do lugar. Não importa o nome das ruas, muito menos os sobrenomes, o importante é caminhar, parar e admirar a cidadezinha que um dia atestou o filho ilustre: “minha terra é um céu, se há um céu sob a terra”. Da costa e silva vive em cada beco, ladeira, esquina da Amarante velha. Quanta poesia, quanto simbolismo! As torres da matriz apontam para o céu o cristianismo, ao contrário de tantas outras igrejas espalhadas por essas terras de meu Deus, os campanários têm formatos arredondados, tão quanto os das mesquitas, será ali influência mourisca de quem um dia ali esteve?
A botica faz limite com a rua das flores, os frascos são os mesmos, o dono é da primeira turma de medicina da Faculdade da Bahia, na imortalidade quem sabe, esteja ele a rogar pela cidade natal, criando e manipulando fórmulas pela longevidade da mesma. Mais abaixo corre o Parnaíba, recebendo no seu leito o Canindé, que depois de rastejar por sertões adentro desemboca sem pressa e juntos “levam pelas quebradas, pelas várzeas e chapadas” a piauiensidade nossa de cada dia.
Amarante ao poucos reinventa a sua história e os pudores mantidos pela vaidade, vão lentamente sendo degustados pelas traças do esquecimento; assim, a negra Auta, mortalmente humilhada, vira em orações a santa popular do lugar. Visitar Amarante é embriagar-se de boas doses de saudosismos e de cachaça Lira, enquanto em outras cidades chove, nela só “pinga” e fica o dito pelo não dito.