
Possidônio Queiroz: o homem da flauta doce de Oeiras

* Por Elimar Barros
Possidônio Nunes Queiroz nasceu em 17 de maio de 1904; 52 anos após a transferência da capital piauiense de Oeiras (onde permaneceu por 93 anos – 1759-1852) para Teresina. Filho do agricultor Raimundo Nunes de Queiroz e de Francisca Soares Queiroz, é orgulho não só dos oeirenses, mas de todos os piauienses e certamente é ou será dos brasileiros, bem como de todos os apreciadores das artes, principalmente da música clássica, que tiverem a oportunidade de conhecer suas valsas.
Possidônio Queiroz era negro e não teve educação formal, amante de Oeiras, nunca quis sair para estudar fora, apesar disso sempre viveu rodeado de livros e fazendo muito bom proveito deles, tornou-se autodidata em relação a todas as atividades que aprendeu e desenvolveu com maestria, inclusive como músico flautista.
São muitos os substantivos ou adjetivos com que se pode tentar nomear ou descrever essa personalidade da arte, da vida e da história de Oeiras. Foi advogado (rábula), professor, conferencista, jornalista, historiador, filósofo, crítico literário, músico e musicista, cronista e poeta, humanista e orador eloquente – esteve à frente de diversos eventos políticos, religiosos, históricos e/ou culturais da ‘Velha Urbe’. Cidadão notável, sabia respeitar todos, independente de idade ou classe social. Foi sócio fundador do Instituto Histórico de Oeiras e do Jornal ‘O Cometa’. Dentre todas as atividades em que ‘Possi’ (como é carinhosamente chamado pelos seus admiradores) esteve envolvido e se destacou, duas merecem relevante atenção:
Foi professor não só de português, mas de histórias de vida e movido pelo seu espirito humanístico ensinou a seus contemporâneos e ensina-nos até hoje, através de seus escritos imortais, a sermos gente.
Veja o que ele diz sobre o espirito humano em carta (22 de Agosto de 1976) ao Des. Luis Lopes.
“Bem-aventurado o ser humano que possui, ou por possuir essa parte extraordinária, divina que é o Espírito. Somos na parte espiritual igual a Deus – o Espírito não morre, portanto, somos imortais. Sendo igual a Deus porque possuímos essa parte imaterial, fluídica, que chamamos alma; esse elemento criador que torna a criatura humana muito superior aos irracionais; [...] Ao criar o homem, parece, quis Deus fazê-lo igual a si mesmo, tanto que usou segundo o Gênesis da seguinte linguagem – isto depois de terminar toda a criação – “façamos o homem a nossa imagem e semelhança”. Tirou ao Rei da criação a parte da “imortalidade”, mas deixou-lhe o Espírito criador para tortura desse mesmo Rei da criação. Porque possui o Espírito criador vive o homem sempre a querer coisas novas, novas conquistas, descobertas novas; a querer muitas vezes o inatingível. E porque deseja, porque almeja e quer o que nem sempre pode alcançar, vive o homem em constante sofrimento. E o que sucede ao homem hodierno, sucedeu ao primeiro homem.”
Foi (é) músico de extrema grandeza inspirado e comparado a grandes nomes da música clássica europeia; suas valsas foram tese de monografia do maestro Emamnuel Coêlho Maciel na década de 90 e só nessa época é que Possidônio teve suas composições gravadas no CD “Valsas Piauienses” com a participação da Orquestra de Câmara de Teresina, hoje Orquestra Sinfônica, graças ao trabalho desse maestro pesquisador que diz:
“Enquanto os atabaques seminus da velha Oeiras repicavam pelas vielas, nem todas calçadas, aquele pequeno homem negro e sua flauta, cercado de livros e de poeira, compunha valsas”. “Eu o defino como um músico de extremo talento, um talento extraordinário, uma inventiva fora de série. Porque você vê uma pessoa que viveu a vida toda aqui em Oeiras, longe dos meios de comunicação, sobretudo naquela época, há 40/50 anos ele conseguiu fazer uma obra duradoura. Possidônio não teve estudo, foi autodidata com a música, então posso dizer que a obra dele é de um grande aspecto intuitivo. Ele produziu uma obra pequena, o que a gente conseguiu recolher foi pouco, mas como ele mesmo nos disse, os cupins comeram muitas coisas. O que a gente conseguiu resgatar é de extremo valor. E tenho certeza que é uma obra que merece ser conhecida até no exterior e, chegando lá. vão dar o devido valor.” ]
Sobre esse trabalho José Expedito Rego diz em carta a Possidônio: “Meu caro Professor Possidônio Queiroz: Li com atenção a monografia do maestro Emmanuel. Acho que ele disse pouco a seu respeito; você merece muito mais.”
Se uma monografia não disse tudo sobre Possidônio imagine um simples texto como este! Realmente é impossível descrever a grandeza de Possidônio Queiroz visto que este se apresenta como um intelectual que dominou muitos saberes a que é permitido um ser humano conhecer, por isso mesmo, tem seu nome merecidamente registrado em diferentes tipos de instituições numa tentativa de homenageá-lo e agradecê-lo pelo legado artístico-histórico-cultural/humano que nos deixou. O Mestre tem seu nome na “Sala dos Advogados da OAB/PI, na Vara do Trabalho de Oeiras; na sala de concerto do Palácio da Música (sede da Orquestra Sinfônica de Teresina); no Campus Prof.º Possidônio Queiros/ UESPI – Oeiras Piauí.
Acredito que Possidônio Queiroz está longe de ter sua arte reconhecida pelo verdadeiro valor que representa não só para a cultura oeirense como para a brasileira.
Platão fala de um poeta ‘inspirado’ na expressão camoniana de um poeta ‘nascitur’, Aristóteles de um poeta “artífice”- aquele que projeta e constrói a obra seguindo as normas estruturais de cada gênero. Elaboração formal, paciente e apurada. Se fosse definir a arte de Possidônio de acordo com essas concepções, diria que é o artista inspirado porque autodidata e principalmente pela singularidade de sua obra, mas isso não o fez menos artífice já que ficava horas, madrugadas a fio estudando e produzindo pacientemente suas melodias, lapidando aquilo que viria a ser a expressão maior da musicalidade piauiense.
Em suma como afirma o escritor Dagoberto de Carvalho Jr, “é impossível falar da Oeiras do século XX, omitindo a existência de Possidônio. De todos os movimentos cívicos ocorridos na velha urbe, como ele gostava de chamá-la, sempre esteve na vanguarda quando se tratava da preservação da riquíssima tradição histórico-cultural oeirense”.
Possidônio participou da História da Coluna Preste em Oeiras, intermediando conflitos desse movimento, tão sabiamente que estreitou relações com Carlos Prestes o qual volta a Oeiras e se corresponde com este exímio oeirense, por muito tempo.
Foi Ele quem: encorpou o movimento em defesa do nome de Oeiras, quando se cogitou a trocá-lo devido à existência de um topônimo igual no Pará; participou ativamente do processo de criação da história da Diocese de Oeiras; tem um excelente estudo, correspondência, com o literato Bugyja Britto sobre o Y do tupi. Etc., etc. etc..
Enfim, não há como deixar de ver Possidônio Nunes de Queiroz como um intelectual de marca maior de Oeiras não só do século XX, mas de todos os tempos, além de ser o grande nome da música clássica piauiense.
P.S. Quando comecei produzir esse texto a intenção era terminá-lo em meia página, o que me foi pedido pelo Professor Harlon Homem (Professor do Campus Professor Possidônio Queiroz), mas definitivamente a Vida/ A Arte de Viver Bem desse intelectual oeirense não cabe em meia página, nem em páginas e meia.
* Elimar Barros é professora da UESPI, Especialista em Língua Portuguesa e Literatura