
Mais de 60 mil eleitores do Piauí podem ter título cancelado em maio; veja como regularizar
28/04/2025 - 08:43Em todo o país, mais de 5,1 milhão de pessoas ainda precisam regularizar o documento.
Em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, o Portal Mural da Vila conversou com a presidente da seccional da OAB em Oeiras, a advogada Sânia Mary Mesquita.
Na entrevista concedida ao editor Lameck Valentim, a advogada fala dos desafios, barreiras, preconceitos e conquistas da mulher.
Sânia Mary Mesquita é bacharel em Direito pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), especialista em Direito Empresarial, da Família e em Gestão Pública e, atualmente, está em processo de formação no curso de Letras Português na UFPI.
Confira a entrevista:
1- Conhecendo seu dinamismo e percebendo em você uma pessoa multitarefas, que acumula atividades pessoais, maternas, familiares e profissionais, o que é "ser mulher" para você?
A vida apresenta diversas perspectivas diante dos olhos humanos, o que, para alguns, pode parecer um fardo, para outros é motivo de regozijo. Assim é ser mulher, um delicioso encargo, uma condição única de ter a capacidade de exercer mil e duas funções ao mesmo tempo, carregar crianças, livros, panelas, batom, com seus tentáculos de polvo, em cima de um salto alto, usando cílios postiços e sem deixar de sorrir e ser verdadeiramente afetuosa com as pessoas.
Ser mulher é doar-se de forma inarredável a tudo o que faz, seja profissionalmente, seja no âmbito familiar, seja no exercício pleno e perpétuo da maternidade, seja na dedicação a suas amizades, seja na sinceridade com que olha no olho e sente a verdade (ou a falta dela) vinda da pessoa com quem dialoga.
Ser mulher é carregar esse "fardo" tão doce e suave, tão agradável e pesado, é ser um paradoxo constante, um ser que só se explica em si mesma, mas que jamais poderá ser compreendida na sua essência.
Ser mulher é ser muitas e infinitas possibilidades.
2- Numa mudança radical que houve no mundo feminino de aproximadamente 4 décadas aos dias atuais, onde a mulher saiu do seu papel passivo de esposa, mãe e dona de casa e ganhou o mercado de trabalho, conquistou direitos, logrou uma situação financeira mais próxima do que antes era característico dos homens e, em contrapartida, absorveu inúmeras responsabilidades, acumulou obrigações e se imprimiu um ritmo de vida um tanto quanto acelerado, pra você, quem é a mulher de hoje? Você acha que ela é mais feliz que a mulher do tempo de sua mãe ou de suas avós?
Para cada conquista uma obrigação, para cada direito, um dever. Essa é a lei natural.
Há alguns milhares de anos, vivíamos em cavernas, cuidávamos das crianças e aguardávamos os homens caçarem nossa comida, em bando, e, como forma de proteção e para sobreviver, frequentemente, mudávamos de "endereço", pois a necessidade obrigava.
Com o passar dos anos, as mulheres inventaram a agricultura, passaram a, literalmente, fincar raízes. O nomadismo de outrora foi substituído pela vivência e fixação em um só lugar, e a tribo passou a se desenvolver em torno daquele "sítio". A partir daí a história da humanidade passou por uma enorme reviravolta.
Depois de muitos séculos vivendo em função de parir e criar seus filhos, as mulheres resolveram assumir a dianteira de suas vidas de forma declarada. E com o advento dos métodos contraceptivos passaram a planejar suas gravidezes e deixaram seu lar para ganhar o mundo.
Minha avó viveu esse período: 12 filhos criados, dentre 18 gravidezes(!). A realidade da mudança é de uma geração para cá. Minha mãe estudou (olha a educação fazendo a diferença aí), formou-se professora e trabalhava fora de casa.
Minha geração não tinha a opção de ser mãe-dona-de-casa ou ter uma profissão, isso é condição sem a qual não se sobrevive atualmente.
As conquistas das mulheres são paulatinas, nos anos 1930, no Brasil, o direito ao voto foi um dos passos decisivos para, no seio da sociedade, mostrarem-se como "pessoas".
A despeito de tudo isso, a mulher não deixou de ser mãe-dona-de-casa, mas acrescentou inúmeras funções a essas: profissional, gestora, empreendedora, política, agente cultural, enfim... Diante dessa realidade, como já mencionei antes, a cada direito adquirido uma nova obrigação nasce. E a mulher se cobra cada vez mais. E a sociedade exige cada dia mais resultados por parte dessa mulher mil-e-duas-utilidades.
A mulher do terceiro milênio precisa ser culta, graduada, pós-graduada, filha, irmã, mãe, esposa, "femme fatalle", sarada, "plastificada", turbinada, maquiada, usar salto (sempre), profissional, "linkada", antenada, diversificada, empreendedora, economista (cada dia mais), a mulher do terceiro milênio tem que ser um rochedo, mas sem perder a ternura jamais.
Assim, as necessidades de realização ampliaram-se, e, na mesma proporção, a felicidade pelas conquistas alcançadas.
3- E você? Dentro desse novo mundo para as mulheres, quais foram suas maiores conquistas e os seus maiores desafios?
Meu maior desafio é enfrentado todos os dias: o momento em que tenho que me separar fisicamente de meus filhos para partir para minhas atividades profissionais. Ainda não me deparei com dificuldade maior que essa, pois as dúvidas habitam na mente sempre no sentido de tentar descobrir se estou agindo corretamente, se estou dando a devida importância a cada esfera de minha vida, se as prioridades estão sendo respeitadas...
De outra parte, os outros desafios a que as atitudes preconceituosas me expõem, olhares atravessados, frases descabidas, desmerecimentos que me são lançados...isso tudo tiro de letra, pois a opinião alheia não me domina, serve apenas como impulso a querer alcançar o infinito.
4- A mulher já conseguiu conquistar com louvor, espaços importantes na sociedade, na política, no mercado de trabalho, entretanto o preconceito ainda persiste. Como você vê a questão do machismo em nossa cultura, e quais são os maiores preconceitos que permanecem em torno das mulheres?
Esses dias comentava com um grupo de mulheres pensantes, profissionais balizadas, quanto preconceito há na construção "essa mulher age como homem", tanto quanto se sente na frase "é um negro de alma branca". Ora, não quero ser homem, nem quero ser branca, quero desempenhar minhas funções (mil e duas, relembre-se) com as condições que tenho de mulher, negra, nordestina, pobre, com caráter, determinação, garra, sede de conhecimento, com ideais a ser buscados...
Todos os preconceitos lançados contra as mulheres são gigantes e descabidos. Aliás, todo preconceito é sem razão, pois como o próprio nome diz, é uma ideia preconstituída, antes de se conhecer a fundo o objeto a que se refere.
Quando se fala em revolução feminista dos anos 1970, trata-se, no Brasil, das mulheres brancas. As mulheres negras estavam para completar dois séculos que trabalhavam fora de casa. Quando da abolição da escravatura, os homens negros não conseguiam emprego, com a chegada de um sem-número de trabalhadores importados (europeus, em geral). Assim, foram as mulheres negras, ex-escravas e suas descendentes que passaram a trabalhar fora de casa para trazer o sustento da família, na grande maioria das vezes, como serviçais, empregadas domésticas, lavadeiras, babás, amas, damas de companhia, situação que só passou a se alterar quando a educação passou a ser uma determinante na vida das descendentes dessas ex-escravas.
Não obstante todas as conquistas alcançadas, todas as lutas travadas, atualmente as mulheres, com a mesma qualificação e o mesmo cargo dos homens, recebem salário que corresponde a 70% (setenta por cento) do ganho masculino, o que se apresenta concretamente como uma disparidade de gêneros cultural e legalmente aceita, uma diferenciação que tem o respaldo social e cultural, mas é contra ele que, hoje, nós lutamos.
5- Na sua opinião, quais as conquistas mais significativas das mulheres nesses últimos anos?
Neste ano de 2016, a Lei Maria da Penha (dispositivo que criminaliza de forma específica as diversas formas de violência – psicológica, moral, patrimonial, social e física) completa 10 anos. A cruzada contra a violência no âmbito doméstico que se tem a trilhar ainda é grande, pois a cultura machista (e sertanista, mais especificamente) está arraigada de tal forma que a prática da violência contra a mulher por seu parceiro (ou ex-parceiro) tem sido reiteradamente considerada pelo meio social como normalidade, como situação comum aos casais. Muitas vezes nós mesmo mulheres repetimos antigas falas de que a mulher se sujeita àquela situação porque quer... Mas há uma série de fatores envolvidos, as agressões são repetidas e progressivas até que se chega à denúncia.
Em grande parte dos casos, quando a agressão chega ao conhecimento público, já foi aquela praticada da forma mais extrema, o homicídio (ou feminicídio, nova denominação para a figura legal do homicídio no âmbito da violência doméstica). E ali o que se destruiu não foi somente a vida daquela mulher assassinada, mas também a do agressor, bem como a trajetória dos filhos do casal fica para sempre comprometida.
Além do instrumento legal citado, há diversas outras conquistas que se deve comemorar. No âmbito das políticas sociais, os programas de transferência de renda são realizados com cadastro em nome da mulher, considerada, efetivamente, a cuidadora da família, a gestora do pequeno patrimônio que é transferido mensalmente do Estado às famílias em condição de vulnerabilidade.
Além disso, na área da saúde, por exemplo, destaco a obrigatoriedade do serviço público de saúde realizar exames preventivos em mulheres, sobretudo a partir dos 40 (quarenta) anos, nas áreas de saúde uterina e mamária.
6- Apesar das muitas conquistas, a condição feminina ainda exige uma batalha constante contra o preconceito e a desigualdade em todos os aspectos. No início do século XX foi idealizado o Dia Internacional da Mulher, como forma de evidenciar a luta das mulheres por seus direitos, à época, ainda muito aquém dos direitos dos homens. Entretanto, percebe-se por parte de alguns segmentos reacionários da sociedade, tentativas de resumir esta data como simples ensejo comemorativo, focados em entrega de flores, presentes e cumprimentos. O que ainda precisaria ser feito para mudar essa visão? A própria mulher contribuiria com a persistência dessa distorção?
A história nos mostra que as evoluções são feitas de avanços e retrocessos. Quando vemos as "mulheres-frutas" (uso o termo genericamente para denominar todas as imagens de mulheres exploradas tão somente pela conotação física-sexual) exibindo seus "atributos" na mídia, percebemos o quanto de machismo arraigado persiste entre nós (nós mulheres e homens). Daí, provoco: "que tal ser além da fruta?"
A mídia busca justamente "coisificar" essa mulher para vendê-la como um produto perfeito, uma mulher que nem precisa falar, uma boneca inflável com sangue correndo nas veias e com hormônios. Infelizmente, grande segmento de mulheres contribui para perpetuação de tal situação independente de nível social ou intelectual.
Sou adepta do filósofo Lulu Santos e "eu vejo a vida melhor no futuro", pois acredito ser esta uma fase de expiação da humanidade e que estejamos caminhando para uma época de mais humanização e menos coisificação.
O Dia Internacional da Mulher é mais que um dia, é um ícone da luta por direitos, por vida digna, por exercer sua condição de pessoa humana, para deixar de ser coisa, de ser escrava, por libertar-se de seu jugo (paterno e marital). Infelizmente todas as datas comemorativas (Natal, Dia das Mães, Páscoa, Dia dos Pais, etc.) têm sido levadas para o lado comercialmente viável do consumismo, porém isso não impede (ao contrário, nos dá mais força) de lutar pelos ideais da mulher, ao relembrar o massacre das operárias carbonizadas como símbolo de tantas mulheres que foram (e são) massacradas ao longo da história.
7- A mulher demonstra um misto de fortaleza e fragilidade e com muita sutileza, obtêm muitas conquistas? Qual é o segredo? Como você percebe o poder e o pensamento feminino nas mudanças e avanços do mundo contemporâneo?
Quando se considera a força física, a mulher fica muito abaixo do homem, pois foi desenvolvida e adaptada para parir e cuidar dos filhos, além de gerenciar a família, enquanto o homem precisava desenvolver cada vez mais seus dotes físicos a fim de realizar a caça e defender sua prole dos predadores. Ao se comparar as condições neurológicas, a quantidade de células que formam tal sistema nos homens supera numericamente a formação cerebral das mulheres.
A despeito de tudo isso, a superação, a inteligência, a habilidade, a facilidade comunicativa, o poder da observação, a memória, a afetividade verdadeira, a criação de laços profundos, a vontade de superar barreiras, o poder de adaptação a novas realidades, a capacidade de realizar multitarefas (física e mentalmente) ao mesmo tempo, a determinação, a facilidade de trabalhar em equipe, a abnegação, enfim, tudo isso são qualidades femininas (dentre tantas outras) que se destacam no desempenho de suas atividades e que as fazem suplantar aquelas aparentes dificuldades e condições de inferioridade apontadas.
A mulher, sem dúvida, tem papel decisivo nas mudanças que nos cercam. Se antes, essa influência ocorria, maciçamente, de forma indireta, no mundo atual sua atuação é decisivamente impositiva, não apenas por corresponder a mais da metade da população mundial, ou à metade do eleitorado brasileiro, por exemplo, mas também por terem uma maior preocupação (ou oportunidade) de investir tempo nos estudos, por se mostrarem mais determinadas a suplantar as dificuldades, enfim, usando a seu favor as armas de que dispõe.
8- Qual a importância que você imprime aos movimentos feministas da sociedade? Eles são essenciais para a conquista de políticas públicas que favoreçam as mulheres em nosso país?
O feminismo é um termo genérico usado para designar todos os movimentos voltados à conquista de direitos das mulheres no sentido de alcançar o patamar de igualdade aos homens. Costumeiramente, os historiadores dividem o feminismo em três ondas, sendo a primeira voltada ao direito ao voto e as duas últimas com lutas disseminadas por diversas áreas.
Assim, como luto pelos direitos das mulheres, busco o ideal isonômico de tratamento para homens e mulheres, posso dizer que sou feminista, embora não comungue com diversas posturas assumidas pelo movimento ao longo do tempo, pois há certos exageros que extrapolam a causa da igualdade.
Todos esses movimentos, tanto os menos quanto os mais radicais, tiveram e têm sua relevância para as vitórias alcançadas e que serão atingidas, ainda, no futuro. As políticas públicas voltadas para mulheres se apresentam, ainda, acanhadas, poderíamos já ter avançado mais. Porém, todas essas mudanças passam, necessariamente, pela alteração cultural, pelo rompimento com velhos pensamentos, posso dizer mesmo que passa pelo medo que os homens têm dessa tão sonhada igualdade de condições.
Assim, num país eminentemente dominado por homens, por pensamentos e ideais machistas, as pressões sociais levaram a implantação de políticas públicas voltadas para mulheres na seara social, da saúde, da segurança, do planejamento familiar, de distribuição de renda, etc. Porém precisamos de um marco definitivo que rompa com a desigualdade que ainda paira concretamente sobre a disparidade salarial, este é o passo seguinte no caminho pela igualdade de gêneros.
9- O que ainda é necessário para que a mulher conquiste a sua verdadeira emancipação?
Todos os frutos evolutivos da humanidade são colhidos quando se investe efetivamente em educação pública, universal, de qualidade. No quesito educação as mulheres se destacam por ter (em média) mais anos de escolaridade que os homens. Isso, entretanto, não é fator decisivo, em razão de essas estatísticas nem sempre retratarem a realidade. Ademais, a educação (no Brasil) tem falhas estruturais que fazem com que os números não demonstrem o real nível intelectual alcançado por esses "anos a mais de escolaridade", pois temos exércitos de analfabetos funcionais, analfabetos morais, analfabetos sociais...
O que é necessário para essa conquista é, objetivamente, a ruptura de paradigmas machistas que muitas mulheres mesmo proclamam e vivenciam aos quatro ventos.
10- Existe um diferencial da mulher no mercado de trabalho em relação aos homens? No que elas se destacam?
A despeito das diferenças físicas e neurológicas a favorecer os homens, as mulheres superam estas aparentes inferioridades pela sua determinação, obstinação, por traçarem objetivos de sobrevivência e os seguirem (a grande maioria dos lares brasileiros são comandados por mulheres), pela sua perspicácia e instinto aguçadíssimos, pelo seu admirável trabalho em equipe, pela sua extrema facilidade comunicativa, pelo seu condão de adaptação às nuances do mercado, além é claro de suas competências intelectuais (de busca de conhecimento multifacetado, de dedicação aos estudos, de constante procura por aperfeiçoamento) e, por último neste rol (aberto), mas não menos importante, pela sua vontade de provar a todo instante que é capaz, que pode fazer melhor, que está apta a fazer a diferença.
11- Você já enfrentou alguma situação constrangedora por ser uma mulher em posição de comando?
Durante toda nossa vida vivenciamos situações que nos deixam alegres e tristes. Eu não diria que foi um constrangimento, mas algo que nos entristeceu ao saber que ainda este pensamento reina, mesmo entre homens de um grupo pensante, intelectualmente destacáveis na sociedade e em sua carreira. O fato foi um comentário lançado, quando da campanha mundial da ONU "He for She" - Eles Por Elas (lançada em 2014 e em pleno desenvolvimento, visitem o site heforshe.org e também http://lugardemulher.com.br/he-for-she-se-nao-agora-quando/), de que o movimento seria desnecessário e (até mesmo) inútil, pois, segundo o comentarista, "essas mulheres já têm direitos demais, ainda querem mais?"
12- Quando se fala de direitos da Mulher, normalmente aparece uma espécie de "clareza subjetiva" de que esses ganhos são relacionados às melhores condições de trabalho e salários equiparados ao sexo masculino, havendo nisso a iminência de se esconder a questão do assédio e todo tipo de violência física e psicológica. Como fazer chegar às mulheres menos informadas, que muitas vezes recebem esse tipo de assédio dentro de sua própria família, de que seu universo de direitos contempla uma série de outras conquistas, principalmente na área de justiça social?
Vivemos a era da informação, mais ainda, a época da informação tecnológica. Entretanto, ainda padecemos pela obscuridade de muitos seres humanos. Infelizmente, o medo implantado pelos milênios de machismo reinante, em boa parte das vezes, fala mais alto e as mulheres se sujeitam ao assédio, à supremacia da violência psicológica, ao pavor de não denunciar porque não teria como provar, e, com isso, ficar "desacreditada", pelo pavor de perder seu emprego, sua fonte de renda, o sustento de sua família.
No que diz respeito à violência sexual, ainda se ouve absurdos perpetuados (repetidos também por mulheres) de que a vítima provocou o agressor a praticar tal ato (!!!!!). Da mesma forma no assédio moral (no ambiente de trabalho ou fora dele) tais comentários são recitados por homens e mulheres, de que o assédio somente aconteceu porque a mulher "facilitou", ou ainda em razão de ter "se insinuado", ou "ter usado roupas inapropriadas ou teve atitudes que levaram a crer que ela estava propensa ao assédio".
As políticas públicas ainda são extremamente carentes nesse quesito de esclarecimento, de promoção de campanhas de valorização da mulher na família, no ambiente de trabalho e na sociedade. Na verdade não considero tais ações políticas voltadas à mulher, mas, sim, são ações de cidadania, de formação de gerações de homens que respeitam mulheres, de mulheres que respeitam mulheres, rompendo definitivamente com a perpetuação do "macho" desrespeitoso e indigno de ser chamado de "ser humano".
13- A Lei Maria da Penha passa a aplicar maior rigor nas infrações penais praticadas com violência contra a mulher, definindo as formas de violência vivenciadas no cotidiano: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Saudada por todo o país, a Lei MdP não corre o risco de ser transformada em somente mais uma lei brasileira, diante da morosidade do nosso judiciário?
Como cidadã (não como advogada), vejo duas leis implacáveis em sua aplicação, uma é a Lei Maria da Penha e a outra a que trata de Alimentos, ambas a defender a sociedade brasileira da ruína, ambas que merecem de mim (como profissional) toda atenção e dedicação, por serem situações de sobrevivência de vidas, de livramento de traumas.
Completando 10 anos, a Lei Maria da Penha traz em seu conjunto uma diversidade de medidas aplicáveis mesmo antes de o caso se judicializar (se tornar, nos temos da lei, um processo), ou seja, ainda na fase inquisitorial (inquérito policial). O aperfeiçoamento dessa importante conquista (que não é apenas das mulheres, mas das famílias, de toda a sociedade) depende de seus aplicadores, mas é imprescindível a atuação da vítima, das testemunhas. Além disso, precisamos da implantação de políticas públicas a salvaguardar a mulher vítima de violência doméstica, assim como seus filhos. Necessitamos de delegacias especializadas na defesa dos direitos da mulher, de que as perícias sejam realizadas com seriedade, respeito e celeridade, de casas-abrigo para onde a vítima possa recorrer (carregando seus filhos, que também são vítimas do mesmo agressor, num processo de repetição da violência por gerações), de mais equipamentos físicos e pessoais tanto no Ministério Público quanto no Poder Judiciário, de equipes multidisciplinares para se realizar um efetivo e eficiente trabalho social, psicológico, médico com as famílias vítimas dessa doença social.
14- Mulher corajosa e reconhecidamente defensora intransigente dos Direitos Humanos, você tem esperança da mulher brasileira, dentro de poucos anos, encontrar sua verdadeira independência em qualquer campo que a vislumbre na sociedade?
Com educação, valorização de si mesma como pessoa, engajamento e responsabilidade social todas essas conquistas virão em breve. Sou defensora do que chamam de minorias (mas que prefiro chamar de vítimas indefesas de preconceito e de violência desleal): mulheres, negros, crianças, idosos, homossexuais. Entretanto alguns desses movimentos se aproveitam para se insurgir em áreas que não engrandecem as categorias defendidas, ao contrário, expõem-nas. Por tal razão não me deixo rotular como feminista ou com qualquer outro “carimbo na testa”.
15- Qual a mensagem que a mulher, mãe, esposa, filha, advogada, estudante de Letras deixa para as mulheres neste dia?
A mulher é o ser mais frágil e mais feroz que existe. O que nos falta é saber utilizar tais características no momento certo e na dosagem apropriada. Há uma imagem que tem circulado nas redes sociais, ultimamente, a qual, depretensiosamente, busca desmistificar o velho e caquético ditado machista de que "lugar de mulher é na cozinha" e que bem se apropria ao momento em que se comemora o Dia da Mulher, o Mês da Mulher e o Ano da Mulher Advogada (instituído oficialmente pela OAB nacional). A imagem traz o seguinte texto, suscinto, simples, porém verdadeiro: "Mulher trabalha. Mulher batalha. Mulher estuda. Mulher é mãe e, às vezes, tem que fazer o papel de pai. Por isso, lugar de mulher é onde ela quiser."
O movimento feminista não visa engrandecer as mulheres e odiar os homens, ao contrário, busca condições de igualdade. Por isso, a luta das mulheres deve ser abraçada por toda a sociedade, e por tal razão conclamo a todos: vamos romper com a dicotomia "homem X mulher" e nos engajar, todos, nessa luta, pois juntos somos mais fortes, a construir pessoa melhores, capazes de fazer do mundo um lugar melhor.
Obrigada e desejo um Feliz Dia da Mulher.