
SEMANA SANTA EM OEIRAS: Sermão do Descimento da Cruz

Oeiras, 06 de abril de 2012, Sexta feira da Paixão.
Caro D Juarez, Bispo de Oeiras
Caros Padres, seminaristas e religiosas
Estimados irmãos e irmãs reunidos no adro da “Velha matriz e amada Catedral” e que nos acompanham através das Radios...., TV... e internet.
“A atualização anual da celebração da Paixão do Senhor nos faz entender o que significa a vitória do derrotado, o sucesso do fracassado, a glória da humilhação, a vida que nasce da morte. Nesta sexta feira da Paixão do Senhor vamos refletir sobre a cruz como mistério de Deus e do homem, sobre o mistério do sacrifício e sobre o mistério da glória e da esperança.
1. Contemplação: A cruz como mistério de Deus e do homem.
Vamos contemplar a cruz... O que vemos? Como vemos? No cântico de Verônica pergunta... Se neste mundo existe uma dor tão grande? Olhai e dizei quem neste mundo sofreu mais. Podemos perceber o desfigurado de Jesus, o Servo Sofredor. Como diz o profeta Isaias, “Ele não tinha nem beleza para atrair o nosso olhar, nem simpatia que pudéssemos apreciá-lo. Desprezado e rejeitado pelos homens, homem do sofrimento e experimentado na dor; como indivíduo quem a gente esconde o rosto (Is 53,2-4).
O rosto desfigurado e abatido de Jesus, o Servo sofredor, expressa o rosto dos enfermos a quem são concedido um tratamento precário que lhe aumentam ainda mais os seus sofrimentos. Expressa o rosto dos jovens pregados na cruz do suplício das drogas e entregues nas mãos de quem busca dinheiro rápido e fácil. Expressa os sofrimentos das famílias crucificada pela degradação dos valores da união conjugal e da relação pais-filhos ferida pela torpeza de ideologias que alimentam a ambição do lucro e estimula uma vaidade materialmente supérflua. Expressa a ignomínia dos corações ambiciosos e a punição cruel de uma sociedade entregue nas mãos de homens e mulheres centrados em si e servidores de si mesmos e de seus interesses.
Jesus na cruz sem forças e sofrendo as consequências da terrível flagelação, invadido pela dor do abandono dos amigos expressa o abandono e o sofrimento das pessoas abandonadas na velhice, abandonadas nas macas e/ou em filas dos corredores dos hospitais por causa da destinação dos recursos financeiros: esses, além de serem insuficientes, outra parte é utilizada para fins e interesses que não são o de atender os serviços prestados à saúde ou oferecer aos cidadãos serviços de qualidades. Ou ainda, o Cristo flagelado e crucificado expressa os pobres enfermos tratados com atendimento desumano que reduz a pessoa humano à sua dimensão biológica, orgânica por profissionais mecânicos e insenssíveis.
Eram na verdade os nossos sofrimentos que ele carregava... e agente achava que ele era um castigado, alguem por Deus ferido e massacrado(Is 53,4). Este é o jovem Jesus que passou a vida fazendo o bem e acabou sendo rejeitado pelos que viam os seus interesses sendo contrariados e por quem não queriam ver um mundo novo de justiça, igualdade e de paz.
Conforme o artigo 4 e parágrafo único da portaria do Ministério da Saúde n. 1820 de 13 de agosto de 2009, todas as pessoas tem o direito ao atendimento humanizado e acolhedor, realizados por profissionais qualificados, em ambiente limpo e confortável e acessível a todos, nas consultas, nos procedimentos diagnósticos, preventivos, cirúrgicos, terapêuticos e internações e que sejam garantidos os seus valores éticos, culturais e religiosos, o bem-estar psíquico e emocional.
A recusa ou o ato de dificultar os procedimentos.... além de desreitar a integridade física e emocional de quem estar em situação de vulnerabilidade do sofrimento e da doença afronta exercicío da cidadania, a humanização no tratamenta de um ser humano e o bem público. A falta de reconhecimento e de valorização à atenção básica, acesso precário com longas filas para marcação de consultas e de procedimentos como exames e cirurgia, descaso com os dependentes químicos principalmente com os jovens, carência e má distribuição de profissinais qualificados, sucateamento e desabastecimento de material de consumo, carência de informações e esclarecimeto adequados à população, má gestão por parte dos responsáveis pela execução das políticas pública em saúde, desvio e maversação de recurso na área de saúde retrata que a mesma cena da condenação e da crucifixão de Jesus: “depois de crucificarem Jesus, os soldados pegaram as suas vestes e as dividiram em quatro partes, uma para cada soldado... Assim cumpriu-se a Escritura ‘Repartiram entre si as minhas vestes e tiraram a sorte sobre a minha túnica”(Jo 19, 23-24). É visível que em prol da privatização do atendimento de saúde, de conchavos eleitoreiros repartem-se os bens públicos como alianças que são tecidas apenas em vista das eleições e do alcance do poder. Repartiram entre si as minhas vestes e tiraram a sorte sobre a minha túnica.
Minúcio Félix séc II já exprimia: “nós não sabemos o que fazer com a saberia dessa gente; sabemos muito bem que são mestres de corrupção, corruptos eles próprios, prepotentes e, além do mais, tão descarados que estão sempre a clamar contra aqueles vícios nos quais eles próprios se afundaram. Nós não trobeteamos sabedoria, mas a levamos viva no coração; não discertamos sobre a virtude, mas a praticamos; em suma, temos o orgulho de haver alcançado o que eles procurarm com fatigante empenho e nunca conseguiram encontrar.
¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬Jesus foi o preferido em favor de Barrabás e crucificado entre dois criminosos, é o justo inocente massacrado por ser justo e vence pela firmeza e coerência diante das violências sofridas. Foi preso sem ordem de prisão e sem sentença foi detido, e quem se preocupou com a vida dele? Apresentou as costas ao queriam lhe bater, ofereceu os queixos aos que queriam arrancar-lhe a barba, e não desviou o rosto dos insultos e dos escarros (Is 53,7ss). Tudo isso por causa do cuidado pelos seus. Esta é uma oportunidade para conversão. Hoje é um dia propício! Somos todos chamados à responsabilidade, cada um de um modo, cada um de acordo com as suas culpas. É uma oportunidade para a corresponsabilidade para com Jesus que grita nas periferias, no sofrimento dos empobrecidos, na exploração dos menos esclarecidos, na angustia de pais com filhos químicos-dependentes, na perplexidade do agricultor desiludido com a falta de chuva, de água e entregue à merce da sorte do abandono e da fábrica da seca. É uma oportunidade de corresponsabilidade com o Cristo que grita na frustação daqueles que foram/são iludidos com o sexo banalizado de uma moral desregrados do prazer imediato e corporal e anestesiados com os paredões de sons e reality shows da vida.
“O fel lhe dão por bebida sobre o madeiro sagrado. Espinhos cravos e a lança ferem seu corpo e seu lado. No sague e água que jorram mar, terra e céu são lavados. Ó cruz fiel, sol a árvore mais nobre em meio as demais, que selva alguma produz com flor e frutos iguais. Ó lenho e cravos tão doces, um doce peso levais. Árvore, inclina os teu ramos, abranda a fibra mais duras. A quem te fez germinar menor tantas torturas. Leito mais brando oferece ao Santo Rei das alturas. Só tu Ó cruz merecestes, suster o preço do mundo e preparar para o naufrago um porto, em mar tão profundo, Quis o cordeiro imolado banhar-te em sague fecundo.
Jesus ver a sua morte como um ato de inteira doação e liberdade: “ninguém me tira a vida, eu a dou livremente” (Jo 10,18). E tinha consciência de que a sua morte seria um coroamento de uma vida de serviço vivido no sofrimento das pessoas conduzidas por guias cegos (Mt 15,14) e oprimidas por prescrições impossíveis de realizá-las, com todo o mal feito aos fracos e por isso feito a ele: cada vez que fizestes ou não fizestes a um desses pequeninos foi a mim que o fizestes (Mt 25,40). Jesus é um apaixonado pela pessoa humana, a ponto de dar o perdão vivo inclusive para os seus algozes, seu amor faz próximo de todos, especialmente para os pequenos, os fracos, os oprimidos e marginalizados. Este amor é o maior motivo de escândalo. Jesus assume ser a razão da mudança radical do explorador (Zaqueu), do jovem, da prostituta e do fariseu. Convertamo-nos, ainda é tempo! Criemos uma nova vida. Vamos dar oportunidade à vida, a uma nova vida, ao verdadeiro amor, tenhamos coragem de superar os velhos esquemas de guias cegos promotores da miséria, da morte e da exclusão degeneradoras da dignidade humana para que no momento supremo da entrega total possamos participar da gloria de Cristo e possamos como Cristo dizer: Pai em tuas mãos eu entrego o meu espírito(Lc 23,46).
2. Sacrifício: a Cruz como mistério do Sacrifício
A cruz de Jesus é revelação da nobreza do sacrifício, é o sacrifício mais supremo de salvação. É sinal do amor de Deus para com o seu povo, expressão do Cordeiro imolado pelos nossos pecados. “Ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e carregou as nossas dores; e nós o reputávamos por ter sido atingido golpeado por Deus e humilhado. Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões e esmagado por causa das nossas iniquidades... Pelas suas chagas fomos curados... ele foi oprimido e afligido, mas não abriu a boca... E deram-lhe sepultura entre os ímpios... embora nunca tivesse cometido violência, e nem houvesse engano em sua boca” (Is 53,3-9). Este é o sacrifício de Jesus que estimula a resposta da nossa fé e exorta a perseverança. Não é uma autoglorificação e nem um sacrifício de animais, mas é o sacrifício de si mesmo; onde o próprio Jesus é o sacerdote, o altar e o cordeiro. É ele quem sacrifica, é ele o sacrificado e é ele onde o sacrifício do sacrificado se realiza.
Jesus ofereceu-se com grande clamor e lágrimas, orações e súplicas mesmo podendo livrar-se da morte(Hb 5,5-10). Pela a oblação do seu corpo pregado na cruz, levou a plenitude os sacrifícios cumprindo ao mesmo tempo sacerdote, altar e cordeiro (Prefácio da Páscoa V).
Num contexto de hedonismo, onde a realidade do sofrimento gera desconforto, inquietação e revolta além de evidenciar a fragilidade do ser o sofrimento é entendido como um entrave na vida do homem. A indignação do ser humano ao sofrer dilacera a relação com a cruz salvadora e libertadora como livre aceitação da cruz por Jesus. Aceitar e abraçar a cruz é uma nobre virtude de quem faz o encontro pessoal com Jesus. Esta situação foi experimentada por São Paulo quando afirma: “Com Cristo fui pregado na cruz, Eu vivo, mas não eu: é Cristo que vive em mim. Minha vida atual na carne, eu a vivo na fé, crendo no filho de Deus, que me amou e se entregou por mim (Gl 2,19-20).
A Cruz de Cristo ilumina o caminho da ressurreição, descortina do caminho de vida o domínio das trevas das humilhações, das dúvidas, do desespero e da perseguição. Maria, invocada como saúde dos enfermos, demostrou sempre uma atitude de especial solicitude para com os sofredores. Desde o momento de atender a sua prima Isabel em uma situação de gravidez de risco pela idade avançada até hoje, Nossa Senhora conserva dentro de si a consolação de Deus para os dramas humanos, servindo sempre aos necessitados.
Olhando para cruz pode-se entender o verdadeiro sentido e o porquê do sofrimento. Segundo o Papa Beato João Paulo II, “ o amor é também a fonte mais rica do sofrimento que, não obstante, permanece sempre um mistério... Cristo introduz-nos no mistério e ajuda-nos a descobrir o porquê do sofrimento, na medida em que nós fomos capazes de compreender a sublimidade do amor divino” que supera a explicação do mal a partir do conceito de justiça e propõe no âmbito do amor de Deus que amou por primeiro e amou-nos até o fim a ponto de dá o seu filho unigênito para proteger a pessoa humana desde das raízes do mal até atingir os mais excelsos dons transcendentais, os quais se desenvolvem na história do homem. Deste modo, o sofrimento além de vencer as esferas do mal, é um encontro do homem consigo mesmo no seu eu finito e limitado. O sofrimento não só tem plano de vencer o mal e nem a palavra definitiva para explicar o mal, mas nos provoca para solidariedade, para o compromisso com o outro e para a prática da fraternidade, despertando-nos o espírito do bom samaritano.
A aproximação e a compaixão do espírito samaritano nos torna capazes de mobilizar todas as estruturas sociais e politicamente constituídas para não deixar morrer no abandono aquele que está exposto ao sofrimento, denuncia o pecado e suas raízes históricas, sociais, políticas e econômicas. O espírito do bom samaritano, como uma mão amorosa, leva a cada um a aproximar-se dos doentes, dos fracos no corpo e na alma, leva-nos ao encontro dos jogados à beira do caminho das vias sociais e acolhê-los, cuidar deles e infundir-lhes força e esperança. Com o espírito do bom samaritano reatamos laços, restabelecemos vida e reestruturamos dignidades de imagens e semelhança de Deus.
A cruz como sacrifício de Cristo é uma pregação em favor dos empobrecidos, dos menos favorecidos e dos abandonados. É fruto de coerência de vida, de sua fidelidade ao projeto de vida e sonho do Pai. A cruz como sacrifício de Cristo é consequência do seu estender a mão para curar, para perdoar e por enfrentar a indignação dos entristecidos pela dureza dos corações. A cruz como sacrifício é atitude de ensinamento da justiça e do amor, do ético e do vital. É experiência da misericórdia e da acolhida aos pecadores, aos prostituídos, aos jovens pródigos. É a experiência de não se omitir, não temer e nem fugir das consequências do anúncio da verdade a ponto de perder a própria vida em vez de ganhar benefícios de próprios interesses ou vantagens do sangue, do suor, da lágrima e do sofrimento dos outros. A cruz como sacrifício é expressão do abraço ao Pai e aos irmãos numa expressão ilimitada e infinita de amar o amor incondicional.
Na comunhão com sofrimento de Cristo toda a Igreja é chamada a se transformar em lugar de acolhida, em que a vida é respeitada, defendida, amada e servida. É chamada a ser o lugar de esperança que todo o peregrino cansado ou enfermo busca sentido para o que está vivendo, e encontra uma maneira saudável e salvífica do seu sofrimento e de sua morte à luz da ressurreição de Cristo .
Por sua cruz, Jesus atingiu as raízes do mal presentes na história e no prório homem(cf. Salvifici Doloris, n.16). O seguimemnto de seus passos nos fortaleça neste amor, nos ajuda a tomar nossas cruzes e nos faz próximos daqueles sofredores que necessitam de cuidados. O gesto amoroso da cruz ilumina todo sofrer. Cristo sofre em solariedade àquele que sofre e o convida a reencontrar seu sofrimento na fé, enriquecido de novo conteúdo e de novo significado: “Com Cristo fui pregado na cruz. Eu vivo, mas não eu: é Cristo que vive em mim”(Gl 2,19).
3. A cruz como mistério de glória e esperança
A glória da cruz mostra que a vida nasce da morte, que a vitória vem do fracasso, que a salvação vem do sacrifício de si em favor dos outros. Mesmo diante de estruturas perversas que nos governam, de corrupção de toda ordem, da busca desenfreada de poder, de prestígio e do prazer ou da satisfação momentânea, Jesus veio salvar a todos aqueles que lhe acolhem e acolhem o seu projeto. Como afirma o salmista, diante do poder do amor vitorioso de Deus toda a terra ao contemplá-lo estremece, as montanhas se derretem como cera ante a face do Senhor, e assim proclama o céu a sua justiça, todos os povos podem ver a sua glória. O senhor ama os que detestam a maldade e protege seus fiéis, e suas vidas da mão dos pecadores os liberta (Sl 96/97, 4-10).
A cruz é o lugar da exaltação de Jesus, é a grande hora de Jesus, afirma Paulo. O que se humilhou até a morte e morte de Cruz, Deus o exaltou sobremaneira e deu-lhe o nome mais excelso e mais sublime e elevado acima de outro nome, perante o qual se dobrem todos os joelhos ,nos céus, na terra ou nos abismos e todas línguas proclamem Jesus Cristo é o Senhor para a Glória de Deus Pai (Fl 2,7-11). Mesmo cheios de percalços e dificuldades, podemos encontrar na Cruz de Jesus Cristo a força para superar todos os sofrimentos, desafios, dores e fracassos. A linguagem da Cruz é absurda para aqueles que sem ela, se perdem, entretanto a linguagem da cruz revela a fraqueza humana, revela o poder de Deus, a força de Deus e a sabedoria de Deus. Afirma Paulo: “longe de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo pelo qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo”(Gl 6,14).
A morte de Jesus na Cruz nos remete à dignidade de viver e morrer, faz de nossa existência um confronto com a nossa finitude, e ao mesmo tempo constitui-se um desafio ético diante do direito de todos de ter uma morte feliz. Não somos chamados a ser vítimas da morte e nem da enfermidade, não podemos aceitar passivamente a morte que é consequência do descaso pela vida, causada pela violência, por acidente e pela situação de pobreza. É intolerável o sofrimento no abandono que tem raízes nos pecados individuais, históricos, sociais, políticos e econômicos que produzem males. É preciso que o grito de Jesus continue ecoando e que atinja os nossos sentidos quando a doença e a miséria falam mais alta do que o bem. É preciso ousar políticas orientadas pelos referenciais éticos de justiça, equidade e solidariedade. Não se pode mais fazer do sofrimento e da dor de uma pessoa alternativas de lucros financeiros ou eleitoreiros. O grito de Jesus na cruz clama por justiça, dignidade e cidadania. A morte de Jesus na cruz é o mais excelso, o mais sublime ato de entrega e amor que dão razão ás esperanças, pois nem tudo está acabado: é preciso acreditar, é preciso esperar pela vida que renasce da entrega total. É preciso continuar acreditando na força do amor que vence o ódio. É preciso que a missão, a luta e a caminhada continue rumo à ressurreição que é a vitória definitiva garantida.
Jesus se entrega à cruz para salvar, para livrar-nos do veneno mortal que é não crer nele, na força da cruz. Quem nele crê não é julgado, quem não crê já está condenado. Quem não crê nele vai crer em quê? Crê na força do dinheiro, no poder econômico, crê no prestígio, na fama, no poder da mídia, crê na rivalidade, na competição, na “competência”, na capacidade de usar os outros para seus objetivos. Quem crê nele crê na cruz, crê no humilde serviço aos outros, crê na força transformadora de aceitar o último lugar, crê na doação de si como único antídoto contra o veneno da competição.
Diante da entrega da vida de Jesus na Cruz, JOSÉ DE ARIMATEIA E JOSÉ DE NICODEMOS que ao conversar com os mestres fariseus da sua época não lhe entreva na cabeça que o pensamento de uma salvação viesse de um crucificado. Ainda hoje nos é difícil aceitar esse pensamento, crer que possa ser essa a proposta de Deus. Porém, ao perceber o Cristo como a serpente de bronze que tira o veneno da cobiça e do orgulho e que traz a salvação pelo amor revelado na cruz encorajam-se e vão de encontro com as estruturas reivindicar o corpo do justo, do santo e do inocente. As ideias se confundem, o que parecia maldição de Deus (Dt 21,23) agora é bênção, é salvação. E é assim mesmo, é preciso que aconteça isso para se realizar a Escritura, para se realizar nEle o projeto de Deus (Is 53,10).
A expressão da doação no manto de Verônica. Seu sangue nos deu como bebida, seu corpo nos deu como comida, e sua vida nos deu como razão de nossas vidas. Como se tudo isso não bastasse, o próprio Jesus se nos doou no manto de Verônica como o mais sublime retrato do amor do Pai, da entrega do Filho e da presença do Espírito Santo. Assim, restaura a nossa imagem e semelhança do projeto originário da criação do homem, nos remete ao húmus e nos dá a dignidade de partícipes de sua divindade. Alerta ao homem da liberdade de Filho de Deus, adverte contra a escravidão do pecado e aponta para a vocação à santidade.
No alto da cruz o letreiro JNRJ indica o motivo da morte de Jesus. Apresenta a nova Escritura da Nova e eterna Aliança de Deus com a humanidade. É a linguagem do amor, é o desejo de um mundo possível constituído da civilização do amor. É a expressão de sua realeza que não oprime, mas que dá a sua vida, e é a nova lei, o novo paradigma.
A cruz é o trono de Deus, e a sua coroa é de Espinho. Estes espinhos que ferem a fronte sagrada de Jesus agora revela a realeza de Jesus. Neste momento de entrega total e de total abandono nas mãos do Pai, a cruz assume sua condição de trono de onde Jesus exerce a realeza. Um trono diferente do trono daqueles que lavam as mãos diante dos injustiçados, dos condenados injustamente, dos crucificados pelo abandono, um trono diferente do trono dos coronéis que ameaçam vidas e liberdade, e amordaçam consciência com propinas ou com migalhas que caem de suas mesas para tecer acordos com fim de perpetuar-se no poder. A cruz é assumida como trono onde a liberdade de Deus diante do livre-arbítrio do homem, a mansidão e a serenidade de Deus diante da irrefreabilidade do pecado, da irreparabilidade do mal e da aparente vitória do mal a entrega total de total abandono se faz vencedora. É na cruz como trono onde a fraqueza de Deus é a única força capaz de libertar a liberdade do ser humano, para que ele possa amar o Amor amante e, assim, viver o amor que humaniza.
Os cravos que feriram as mãos que só fizeram o bem, que curaram os doentes, perdoaram os pecadores, que multiplicaram os pães, que abriram caminhos, que abençoaram, que elevaram aos Céus em oração, agora estes cravos nos dão as mãos e os pés ensanguentados de Jesus. Pés ensanguentados mas livres para continuar a caminhada e a missão de evangelizar, para continuar a luta na defesa e na promoção da vida, para continuar a peregrinação rumo ao reino definitivo. Agora Senhor, desça a sua mão direita ensanguentada sobre nós pobres pecadores. Dá-nos tua mão para continuarmos caminhando. Segura-nos Senhor com a tua mão em teus caminhos, em teus projetos para sermos fieis à tua aliança. Vem ao encontro de nossas fraquezas e limitações e pegue em nossas mãos para que nunca nos separemos de ti. Segura, Senhor nas mãos dos enfermos, dos sofredores, dos humilhados e dos martirizados, dos drogados e dos excluídos. Baixa, Senhor, a tua mão esquerda sobre aqueles que ainda não se abriram à tua justiça e transforme os seus corações de pedra em um novo coração. Baixa, Senhor, a tua mão esquerdar sobre aqueles que destroem a natureza, casa de Deus e habitação de todos e os converta à partilhar com todos a dignidade de viver com qualidade. Deixa, Senhor, sua mão esquerdar descer sobre os devoradores do bem público e do bem comum, porta-os à liberdade de Filhos de Deus onde todos são irmãos e salvos no mesmo amor. Dá-nos Senhor as suas mãos e nos faça unir em seu amor.
O Corpo é entregue a sua mãe. Junto a Cruz se encontravam Maria e as mulheres que seguiam e serviam a Jesus e o discípulo amado, expressão viva da Igreja corajosa, fiel e peregrina de discípulos missionários. A eles é entregue o corpo de Cristo desfalecido pela entrega total de um amor sem limites. Hoje, Senhor, queremos acolher o teu corpo em nosso corpo, o teu sangue em nosso sangue, a tua alma em nossa alma, a tua divindade em nossa humanidade. Queremos Senhor acolher o teu corpo entregue a nós como sinal da nova e eterna aliança. Queremos Senhor o teu corpo e o teu sangue entre nós e queremos celebra o grande mistério da fé em sua memória. Acompanhemos a descida, a entrega e acolhida deste corpo entregue por nós.
Agora temos a Cruz hasteada entre o Céu e a terra. Braços de Deus abertos para abraçar a mim, a você, a cada um de nós e a toda humanidade. Braços de Deus aberto abraçando a sua Igreja, os sofredores, os lutadores. Braços de Deus onde foi consumado o maior drama da humanidade e onde se vive a mais triste das desilusões. Braços de Deus onde se encontram as fraquezas e as iniquidades do mundo. Na cruz o bem e o mal da história se encontram, a superficialidade mostra toda a sua astuta. Nos braços abertos da cruz as lágrimas encontram o amor, a fé exalta o homem, o amor traduz o absurdo em salvação. Nos braços de Deus aberto para lhe abraçar expressos na Santa Cruz a morte morre e a vida vive e Deus lhe alcança com o seu amor. Não tenhamos medo de viver no amor. Correspondamos, pois com esse amor, abracemos esse amor.
*Sermão Proferido pelo pe. Possidonio Ferreira Barborsa Júnior, Economo e chanceler da diocese de Oeiras e professor do ICESPI.