
Solfejos e bandolins

 Em 1994, ao lançar em Oeiras o livro "Oeiras é Assim", que reúne uns poucos e pobres poemas de minha lavra, convidei para abrilhantar a cerimônia, a amiga Ana Barroso, com seu fabuloso piano. Ela se fez acompanhar pela flauta do pastor Chico Queiroz, filho do saudoso Possidônio Queiroz (um virtuose desse instrumento, como dizia José Expedito Rego). Convidei também a consagrada orquestra "Bandolins de Oeiras". O grupo, regido pela professora Celina Martins, era composto pelas bandolinistas Lilásia Freitas, Zezé Cabeceira, Rosário Lemos, Nieta Maranhão e Petinha Amorim.
Dona Petinha foi a primeira a chegar ao Cine Teatro Oeiras, local do evento. Embora com problemas de saúde e alguma dificuldade de locomoção, cedo, cedo, lá estava ela, empunhando o seu bandolim, esbanjando elegância e simpatia. Presenciei sua chegada porque ainda estava no Cine, preparando o ambiente, ultimando alguns detalhes de som e iluminação. Constrangido, apressei-me e corri para casa, a fim de estar logo a postos para a cerimônia.
Se lisonjeado fiquei com a presença das chamadas "bandoleiras", profundamente tocou-me a postura de Dona Petinha. Sei que ela estava ali, com toda a boa vontade, não pelo livro em si, cujo conteúdo sequer conhecia e, diga-se de passagem, não estava à altura do seu talento. Sua motivação não era apenas o fato de pertencer à orquestra, não era simplesmente a obrigação, mas também a generosidade, a oeirensidade, o amor à cultura, e, especificamente, ouso pensar, uma afeição gratuita dispensada a mim e aos meus.
Eu jamais teria como retribuir tamanha gentileza, mas lanço mão desta crônica para dirigir-lhe uma mensagem de louvor e gratidão, não apenas por esse gesto isolado, mas por toda uma vida de dedicação à música, à terra natal e aos semelhantes. Dona Petinha, filha, mulher, mãe e avó de músicos, é uma daquelas pessoas que justificam o orgulho de ser oeirense. Sempre a admirei, por tudo o que ela representa para Oeiras, por seu fino trato no nosso relacionamento pessoal e ainda pelo testemunho que minha esposa, Gardênia, sua aluna no curso pedagógico, dá a seu respeito. Como professora de Música, Dona Petinha fixou-se indelevelmente na memória de várias turmas da Escola Normal Presidente Castelo Branco. ExÃmia solfejadora e detentora de vasto conhecimento musical teórico e prático, encantava as alunas com seu desempenho nas tórridas tardes do sertão piauiense. Sua aula, leve e divertida, era um bálsamo para aquelas jovens que se preparavam para o magistério. Amenizava o clima e oxigenava a mente.
O Brasil inteiro a viu solfejar em rede nacional, quando as nossas queridas "meninas" dos bandolins concederam entrevista ao Programa do Jô, da TV Globo, no ano de 2005. Foi somente uma pequena amostra do que as normalistas tiveram oportunidade de degustar sobejamente em sala de aula.
Ao partir para a eternidade, neste 4 de janeiro de 2019, aos noventa e sete anos de idade, Dona Petinha (de batismo, PetronÃlia) nos deixa um grande legado: em meio aos solfejos, partituras e bandolins, mais que enriquecer a cultura musical de Oeiras e do PiauÃ, ajudou, com sua história de vida, a escrever a própria história da cidade, tradicional celeiro de artistas, em geral devotos da música, divina música.