
Um oeirense inesquecível

(*) Por Ferrer Freitas
Pedro Ferrer Mendes da Silva, meu avô materno, era filho de Izaac Mendes da Silva e de Maria, descendente de gente do Outeiro (dizia-se “Oiteiro”) por onde corria um afluente do Mocha, o riacho dos Negros, assim chamado, tenho pra mim, por ser refúgio de negros-escravos. Minha bisavó, também conhecida como Maricota, era negra e casou-se com Izaac, um homem branco e de olhos azuis. Seu Pedro, como Ferrer era chamado pelas irmãs inuptas, Ana (Naninha), Raimunda (Mimbom) e Belina (Cheiro) , saiu à mãe, um moreno fechado, mas de cabelo bom, como elas faziam questão de ressaltar, sobretudo Mimbom, que herdara os olhos azuis do pai Izaac, primeira pessoa a receber a visita do Estado Maior da Coluna Prestes quando da passagem por Oeiras em 1926, por exercer as funções de coletor federal.
Oeirense autêntico, “causer” admirável, enfim a cara da cidade, a exemplo de Xé, José e Cazé , todos Sá, José Tapety, Joel Campos, Raimundo de Zefinha, Possidônio Queiroz, Rocha Neto, André Holanda, João e B. Diogo e muitos e muitos outros , Ferrer era o que se pode chamar um sujeito “lido e corrido”, como se dizia de quem gostava de ler e viajar. Vestia-se com aprumo e era tido como um "gentleman", pela forma lhana como tratava a todos. Finalmente, era dado a aventuras fantásticas, segundo as muitas estórias que se sabe dele. E de cara narro logo uma. Encontrando-se em Teresina em julho de 1932, soube de que eclodira em São Paulo movimento armado contrário ao governo provisório de Getúlio Vargas e a favor da promulgação de nova constituição, que passou para a história como Revolução Constitucionalista. Não se fez de rogado. Sentou praça na Polícia Militar do Piauí, na patente de sargento, por conta de amizade com oficiais PM, e foi à luta pela Pátria, como disse em telegrama às irmãs. Nunca esqueço ele contando essa aventura na casa da Praça da Bandeira (quando estou no Café Oeiras evito olhar para o lado em que ela outrora existiu). Gostava de dizer que não chegou, realmente, à área do conflito, mas de onde estava ouvia-se o barulho de tiros e explosões. Devoto fervoroso de Bom Jesus, a ponto de nunca faltar à tradicional procissão, quando sempre levava à mão uma vela, trouxe, no retorno, para a irmã Naninha, responsável pelo Passo da rua Nogueira Tapety, pequena e bela imagem do santo, até hoje colocado no altar, agora pela filha, tia Julica.
Por incrível que pareça, foi chegar a Teresina e pedir baixa da PM, o que todos consideraram uma estultice, pois se continuasse na briosa instituição criada em Oeiras por Manoel de Souza Martins, poderia ter chegado a coronel. De qualquer modo, por conta da experiência de revolucionário de 32, acredito, foi nomeado Delegado de Polícia de Oeiras no período do Estado Novo, na profícua administração do Coronel Orlando Barbosa de Carvalho, quando se houve com equilíbrio. Nunca soube de nenhuma ação arbitrária dele, até por ser amigo e compadre do líder da outra facção política, o ex-prefeito Augusto Rocha Neto, padrinho de sua filha, tia Salete.
Das muitas estórias, ou “causos”, envolvendo-o, uma das mais hilárias é a ocorrida quando da construção da estrada (central) no trecho Oeiras-Floriano, isso bem antes da BR. Fiscal geral da obra, Ferrer ordenou o feitor-mor, Raimundo Valentim, a dar uma dura nos trabalhadores, chamados de cassacos, pelas brigas frequentes que vinham ocorrendo depois de bebedeiras. Essa ordem foi passada, seu Raimundo de cima de um tambor de óleo, nos seguintes termos: “De orde de seu Pedo Farréis, fiscá gerá dessa radovia, fica impressamente impiribido o uso de bibida e arma de fogo, como seja faca, facão, canivete, cacete. Tenho dito!” Era assim o velho Ferrer, meu avô, que faleceu octogenário, já faz algum tempo, bem mais de 20 anos, e está sepultado no cemitério novo, ainda hoje assim chamado em face do velho, da Irmandade do Santíssimo Sacramento. No seu túmulo lê-se o seguinte epitáfio: “Aqui jaz um
homem!”.
(*) Ferrer Freitas é do Instituto Histórico de Oeiras