Em favor do patrimônio edificado oeirense
28/10/2025 - 10:30Manifesto do Instituto Histórico de Oeiras
*Por Lameck Valentim
Há quem veja na preservação um gesto de teimosia histórica, uma resistência ao novo travestida de devoção ao passado. E, para justificar o desconforto com o valor do antigo, inventa-se um espantalho conceitual: o “fossilizar”. Palavra de sabor geológico, agora usada para insinuar que proteger a memória seria condená-la à rigidez. Ora, se há fósseis que atravessam eras intactos, talvez devêssemos aprender algo com eles — o tempo respeita apenas o que soube resistir.
Em Oeiras, a cidade mais antiga do Piauí, o que se quer não é cristalizar o passado em vitrine, mas garantir que ele continue a existir sem ser diluído por um entusiasmo modernizador que confunde utilidade com pressa. A história não é um peso no ombro do presente — é a sua espinha dorsal. Sem ela, tudo se dobra.
É curioso ver como o discurso da “modernidade sensata” costuma vir travestido de razoabilidade técnica, cheio de palavras como funcionalidade, harmonização e vitalidade urbana. Termos elegantes, mas que, na prática, abrem frestas largas para o descuido e para a conveniência. A memória, dizem, precisa “respirar”. Pois bem — respiração também exige limite: quem abre demais os pulmões corre o risco de asfixiar-se.
Não se trata de sentimentalismo nostálgico, como sugerem os que confundem prudência com saudosismo. Trata-se de reconhecer que cada casa, cada rua, cada cornija em Oeiras tem uma linguagem própria, uma voz que fala silenciosamente sobre o que fomos. Alterar essa sintaxe sem compreender sua gramática é como revisar um poema com régua e calculadora.
O argumento de que “preservar não é fossilizar” esconde, em tom elegante, a impaciência de quem gostaria de ver o tempo acelerado à força. É uma forma educada de dizer que o antigo atrapalha. Mas a cidade não é um canteiro de novidades. Oeiras não precisa ser reinventada — precisa ser compreendida.
Os que acusam o tombamento de engessar o desenvolvimento parecem ignorar que a ruína nasce, quase sempre, da pressa. E que nenhum abandono é mais devastador do que o que se dá em nome do “avanço”. O patrimônio não morre de velhice; morre de desatenção.
Fossilizar, se quisermos brincar com a metáfora, é proteger o que o tempo já provou ser essencial. É garantir que as camadas de história não sejam arrancadas com a ânsia dos que confundem movimento com progresso. Porque há avanços que não caminham — apenas empurram.
Eita Oeiras que tem coisa. Coisa demais pra se resumir a planilha, a edital, a decreto. Coisa viva, que se sustenta porque resistiu. Se for pra escolher entre fossilizar a memória e dissolvê-la na pressa de um urbanismo apressado, que venham os fósseis — ao menos eles têm forma, estrutura e sentido.
O que se deve temer não é a pedra antiga, mas o esquecimento polido. Porque nada envelhece mais rápido do que a modernidade sem raízes.
*Lameck Valentim é professor e jornalística