
A farra dos loteamentos

Por Rogério Newton
O poeta H. Dobal escreveu A Cidade Substituída, obra poética sobre a beleza ameaçada de São Luis. Sem tirar nem por, poderíamos preparar um livro sobre Oeiras com o mesmo título. Motivos não faltam. O patrimônio cultural da cidade é continuamente descaracterizado. A não ser pela Praça das Vitórias, alguns becos e pouco mais de meia dúzia de monumentos tombados, a cidade poética, capturada pela escritura tensa e cinzelar de O. G. de Carvalho, oferece a face para outra, que podemos chamar, sendo otimista, “cidade pragmática”.
O pragmatismo recebeu nos últimos anos um aliado que está destruindo, não só o patrimônio cultural, seu velho conhecido, mas outro, indissociável daquele: o natural. As últimas áreas verdes do perímetro urbano de Oeiras estão sucumbindo aos loteamentos.
Do ponto de vista formal, não é possível falar muito sobre os loteamentos urbanos de Oeiras, pois seria necessário examinar cada projeto para saber se ele cumpre as exigências da Lei de Parcelamento do Solo Urbano, que estabelece muitos requisitos. Em primeiro lugar, o projeto de loteamento deve passar pelo CREA, ser aprovado pela Prefeitura e ser inscrito no registro imobiliário. Lotear um imóvel não significa apenas elaborar um mapa e praticar os elevados preços do mercado. Na definição legal, lote é o terreno servido de infra-estrutura básica. Sabe o leitor o que é infra-estrutura básica? Diz a lei: equipamentos urbanos de escoamento das águas pluviais, iluminação pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, energia elétrica pública e domiciliar e vias de circulação. Sem falar nas áreas comunitárias e nos espaços livres de uso público, como as praças, praticamente inexistentes nos novos bairros da cidade.
Caro leitor: os loteamentos urbanos de Oeiras possuem infra-estrutura básica? Cumprem os outros requisitos exigidos em lei?
O exemplo mais absurdo é o do Morro da Cruz, objeto de abaixo-assinado ao prefeito, com 1.462 assinaturas, reivindicando o embargo da obra, pelos danos ambientais e desobediência à Lei de Parcelamento do Solo Urbano, ao Código Florestal e à Lei Orgânica do Município.
Nenhuma cidade é estanque. Está sempre se transformando. Oeiras também é assim. Precisa de novos espaços para se expandir. Mas essa expansão é bastante discutível, pois está sendo feita sem reflexão, sem planejamento e com um desequilíbrio gritante entre construir-destruir, velho-novo, natureza-civilização. Nesse processo, os mais sacrificados são as áreas verdes da cidade e o cidadão obrigado a pagar preços exorbitantes por lotes sem infra-estrutura básica. No âmago de uma ética exclusivamente utilitária, a propriedade imobiliária em Oeiras se transformou em mais uma mercadoria de um balcão de negócios, que eleva os preços dos imóveis às alturas e destrói sem piedade as áreas verdes.
No antigo Oeste americano, índio bom era índio morto. Na Oeiras de hoje, árvore boa é árvore derrubada. Terreno bom é terreno desnudo, de preferência queimado pelo fogo. Leis boas são as ambientais, fáceis de serem burladas. Bom senso é apenas aquele útil ao exercício das próprias razões.
O leitor, a essa altura, deve estar arguindo que a Constituição da República garante a livre iniciativa e a liberdade econômica. Não contesto. Mas a mesma Constituição assegura a todos meio ambiente saudável e a função social da propriedade. Transcrevo o art. 225.
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Sempre, mas sobretudo no atual momento de mudanças climáticas e aumento de temperatura, as áreas verdes e os mananciais de água são joias preciosas, muito mais que mercadoria.
Se não quisermos ceder ao caráter inegociável dos frutos da Criação, como a terra, as árvores e as águas, transformados em propriedade individual por ficção jurídica, deixemos esse aspecto, digamos, filosófico, de lado e passemos pelo menos a reivindicar o cumprimento do art. 225 da Constituição, o Código Florestal, a Lei de Parcelamento do Solo Urbano e o art. 159 da Lei Orgânica do Município de Oeiras.
Art. 159. O Riacho Mocha, e suas margens, e os morros que circundam a cidade de Oeiras, constituem-se áreas prioritárias da proteção ambiental e sua utilização far-se-á na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
Caro leitor, será essa uma reivindicação absurda?