A língua inglesa e os atos políticos através do estômago
POR ROGÉRIO NEWTON
Quando cheguei nesta quarta-feira à Zona Verde da COP30, em Belém, grandes eram as filas de pessoas para entrar, não sem antes passar pela revista e controle de segurança, semelhante aos que existem nos aeroportos. O público participante aumenta a cada dia. Em alguns momentos foi difícil caminhar dentro do pavilhão, por causa da quantidade enorme de pessoas no terceiro dia da Conferência.
Com tanta gente assim e tantas possibilidades de palestras, mesas, painéis, tudo acontecendo ao mesmo tempo, é preciso saber onde se localizar e procurar absorver o melhor. Para mim, o espaço preferido da COP30 é o Círculo dos Povos, onde ocorrem as apresentações de grupos identificados com as populações que mais sofrem com os desequilíbrios ambientais, os mais vulneráveis sociais, políticos e econômicos.
Ontem, o Círculo dos Povos recebeu um grupo de indígenas do Peru. O que eles pretendem é a consolidação do Governo Autônomo da Nação Wampís, autodeclarado em 2015. Esse povo é constituído de 28 comunidades. Ao todo, são 15 mil habitantes vivendo numa área de 1.327.760 hectares, na Amazônia Peruana. É o primeiro governo autônomo no Peru.
“Não permitiremos ao estado categorizar nosso território. O Estado se entende com as empresas, mas não conosco”, dispara Teófilo Kukush, presidente eleito do governo territorial autônomo. Tanto ele como seu auxiliar e as três mulheres indígenas presentes na mesa desta quarta-feira, enfatizaram que os principais problemas do território são causados por mineradoras e madeireiras. “Não queremos empresas. Queremos que nosso povo tenha vida plena, como nossos ancestrais, que se estabeleceram aqui há 7 mil anos”.
As mulheres wampís são cuidadoras do seu território, fazem artesanato, praticam piscicultura, criam aves menores, extraem Sangre de Grado, resina medicinal obtida somente de árvores vivas. Produzem o azeite a partir do cacau. São enfáticas ao dizer: “Queremos viver a vida sem contaminação, como nossos pais”.
Perguntei ao líder como conseguem lidar com as tensões existentes com mineradoras, madeireiras e o Estado, este último bastante ausente do território. Ele respondeu que o diálogo é muito difícil. Para isso, foi criado um sistema de vigilância (desarmado). Há também escola de líderes e de comunicação. No lado econômico, os Wampís pretendem continuar vivendo com os ensinamentos ancestrais. Uma das atualizações desses ensinamentos são os “bionegócios estratégicos”.
Despois dos Wampís, um grupo de mulheres entrou para discutir sobre alimentação. As mulheres estão na vanguarda da agroecologia, embora tenham menos acesso à terra que os homens. Um dos pontos valorizados é o uso de quintais. Defendem uma política climática na perspectiva de gênero. Através do estômago, querem fazer atos políticos.
Uma das mulheres, talvez a mais jovem, produtora de mel, lembrou que o pai dela falava sempre que a melhor coisa é ter um pedaço de terra para plantar seu próprio alimento.
De repente, quando as mulheres saíram, o pequeno auditório do Círculo dos Povos, começou a receber muita gente e rapidamente ficou cheio. Muitos ficaram em pé. Era uma pequena multidão. A razão é simples de explicar: o próximo painel era sobre financiamento direto para povos indígenas. Havia muitos estrangeiros e quase tudo ali foi falado em inglês, idioma que poucos índios entendem.









