A profundidade da dor e a superficialidade da exposição
31/03/2024 - 18:01Espalhar fotos e vÃdeos de vÃtimas fatais de acidentes constitui um ato criminoso.
*Por Rogério Newton
Fiquei curioso em saber como os católicos de Oeiras recepcionaram o discurso do Papa Francisco para representantes de movimentos sociais, no último dia 9, durante o 2ª Encontro de Movimentos Populares, em Santa Cruz de La Sierra (Bolívia). Francisco defendeu “mudanças de estruturas” e conclamou a todos para enfrentar três grandes tarefas: na economia, na união entre os povos e na preservação do meio ambiente.
O papa foi duro contra o capitalismo: “Reconhecemos que esse sistema impôs a lógica do lucro a qualquer custo, sem pensar na exclusão social e na destruição da natureza? “Este sistema já não se aguenta, os camponeses, trabalhadores, comunidades e os povos tampouco o aguentam. E tampouco o aguenta a Terra, a irmã Mãe Terra”.
Afirmar a necessidade de mudanças estruturais e condenar o capitalismo não constitui nenhuma novidade. Muitos já o disseram e continuam dizendo. Mas, como se tratam de afirmações do pontífice, certamente dão o que falar e podem produzir efeitos benéficos.
Aos que, com sinceridade, desejam mudanças, independentemente de credos, muros e fossos, o discurso soa bastante oportuno. Mas as “mudanças estruturais” não são fáceis de serem conquistadas, nem no plano individual nem no plano social.
Não sou católico, não tenho religião, mas felicito o discurso de Francisco. As três grandes tarefas apontadas por ele são holísticas. Seu enfoque é ao mesmo tempo universal e local. A economia não deveria ser mecanismo de exploração, mas “administração correta da casa comum”. “A distribuição justa dos frutos da terra e do trabalho humano não é mera filantropia. É um dever moral”. “Cuidem bem da Mãe Terra”. Certamente, o papa não quis fazer retórica. Seu discurso deve ser entendido como programa de ação.
Se as palavras de Francisco forem tidas como uma exortação à tomada de atitudes, os católicos (como de resto todas as pessoas sinceras que desejam mudanças, não importando tenham outros credos ou sejam ateus) terão que assumir pontos de vista e ações coerentes. É também um cheque-mate para a fé que dizem ser Oeiras detentora. Antes disso, para os cristãos ou não, talvez seja essa a melhor resposta que se pode verdadeiramente dar ao Evangelho e à sua exigente radicalidade, que não admite meios termos e complacências para com os males que grassam o ser humano e a sociedade e retiram o seu brilho.
O papa foi direto a pontos críticos. Para bom entendedor, a “administração correta da casa comum” é política pura e simples. Boa governança, senhores! Nossa “casa comum” não pertence a ninguém em particular ou a grupos.
Em relação ao meio ambiente, o papa já havia se pronunciado através da recente encíclica “Laudato Si” (Louvado Seja), alusão clara ao Cântico das Criaturas, de Francisco de Assis. Ele diz:
“Que a relação dos homens com a natureza não seja guiada pela cobiça, pela manipulação e a exploração, mas conserve a harmonia divina entre as criaturas e o criador, na lógica do respeito e do cuidado, para colocar ao serviço dos irmãos, também das gerações futuras”. Essas palavras caem como uma luva no meio ambiente de Oeiras e de qualquer outro lugar.
Há outros pontos interessantes no discurso de Francisco. Ainda cabe nessa crônica pelo menos a exortação que ele faz aos movimentos sociais, como protagonistas de mudanças. Isso significa opção clara pelo engajamento e ativismo. Afirma ele: “Eu me atrevo a dizer-lhes que o futuro da Humanidade está, em grande medida, em suas mãos. Vocês são os semeadores das mudanças”. Notem que ele fala isso não para religiosos ou políticos. Aponta para a necessidade de lideranças ético-espiritualistas engajadas. Mesmo que sejam minoria, elas são capazes de propiciar o verdadeiro progresso e levar a humanidade da escuridão para a luz.
Recentemente, encontrei uma senhora que me parou para criticar a mim e a Associação Ambiental de Oeiras (AMO) porque defendemos o Riacho Mocha e reivindicamos a conservação do que resta de vida nas margens desmatadas e no leito. Como ela é católica, a coisa mais sensata que posso dizer-lhe é que leia a encíclica “Laudato Si” e o discurso de Francisco. E aos demais, católicos ou não: AJAM!