
Amizade, lembranças e um cão

(*) Por Ferrer Freitas
Foi vizinho das minhas tias-avós, em casa geminada na Praça da Bandeira, antes da família Luz Mendes (talvez pegue melhor dizer Guaraná), o distinto casal José Clementino, funcionário da Receita Federal, tio do historiador da cidade, Dagoberto Carvalho Jr., e dona Maria José, professora, madrinha do mano Bené. Eram pais de Antônio, que se iniciou na carreira militar seguindo os passos do tio, general Abimael, mas que, lamentavelmente, morreu moço, Irmina, morena alta e bonita, e Rosarinho, doce e risonha. A mudança para a dr. Isaac Sérvio, antiga rua das Pataratas, não arrefeceu a amizade sincera nem diminuiu as visitas às já velhinhas Mimbom e Naninha, sobretudo da simpática senhora, que, nunca esqueço, criava um cachorro gordinho e asseado, além de obediente. Acompanhava-a para onde fosse, inclusive nas visitas às antigas vizinhas, quando também adentrava a casa e se postava deitadinho ao lado da cadeira em que sentasse sua dona. Posteriormente a família fixou residência em Belo Horizonte.
Entre outras afinidades, acompanhavam na política, como se dizia naquela época, o coronel Orlando, chefe do udenismo em Oeiras a partir da redemocratização de 1946. A outra facção, a pessedista, era comandada pelo seu Rocha Neto, ou Rochinha. Na campanha presidencial do ano anterior foram candidatos o General Eurico Gaspar Dutra, pelo PSD, e o Brigadeiro Eduardo Gomes, da UDN. Lembro bem de parte da letra para música louvando o general, um tanto ou quanto provocativa, mais ou menos assim: “É Gaspar Dutra, é Dutra, é Dutra, é Dutra sem cessar, é só pra chatear...” Para o brigadeiro havia um hino, difundido em nível nacional, cujo primeiro verso dizia: “Dos dezoito do Forte que tombaram...” e continuava, chamando-o, mais à frente, de “soldado predestinado...” Como todos sabem, foi eleito o general, com o apoio do presidente deposto Getúlio Vargas.
Pois bem. Mesmo a crônica tendo o sentido primeiro de falar em inesquecíveis amigos de entes queridos meus, cuja lembrança ainda hoje passeia pela mente do menino comportado que fui (desta me arrependo), vale uma pitada de humor. Por ser udenista juramentada, dona Maria José, talvez em represália a algum deboche de adversário, passou a chamar seu cãozinho de “Dutra”. À época, por maior que fosse a estima, cachorro não passava de cachorro, que o diga Waldick muito tempo depois. Era comum até alguém referir-se a um desafeto dizendo tratar-se de um “cachorro”. Depois as coisas mudaram de tal modo que hoje em dia é usual homenagear cães de estimação com nomes próprios de pessoas.
(*) Ferrer Freitas é do Instituto Histórico de Oeiras