
As flores do jardim da vizinha

*Por Gutemberg Rocha
Quando me casei, fui morar numa casa sem jardim e sem quintal, na Rua da Feira, em Oeiras. A bem da verdade, havia um pequeno quintal, mas nada que me animasse a criar algumas galinhas ou cultivar hortaliças. Cheguei ainda a plantar uns dois pés de seriguela, os quais nem sei se vingaram, porque em breve tempo mudei-me dali. Todavia, eu sentia falta, mesmo, era de um jardim, com flores em abundância, e das mais diversas. Rosas, com certeza! Talvez margaridas, possivelmente bugarins! Pois quisera eu poder despertar a minha Gardênia (minha esposa), todos os dias, ofertando-lhe uma flor fresquinha, tirada do pé...
Minha casa não tinha jardim, mas a casa vizinha, sim! Era um jardim muito agradável, sob medida para os meus sonhos. Havia flores variadas, cada uma com sua beleza, seu perfume, seu encanto, espalhadas pelos canteiros bem cuidados. Só que o jardim não era meu, as flores não eram minhas. Porém, no arroubo da juventude, dei-me o direito de, dia sim, dia não, subtrair uma flor do jardim da vizinha. Não havia grande dificuldade: a mureta era baixa e o portão de entrada estava sempre destrancado. Quando não havia nenhuma flor próxima à mureta, o jeito era eu, furtiva e rapidamente, adentrar o jardim, pegar uma flor e sair de fininho. O receio de ser flagrado fazia acelerar meu coração, mas a causa era justa e valia a pena correr o risco.
A casa vizinha era de pessoas amigas da minha família e da família de minha esposa, mas eu não me sentia à vontade para pedir as flores. Pura infantilidade! O casal era, e é, gente fina, distinta, digna, do jeito que o Brasil precisa. Dr. Raimundo Barroso, farmacêutico, homem íntegro, por muitos anos serviu à cidade através da Farmácia Barroso, proporcionando alívio e cura aos enfermos, fazendo, quando necessário, as vezes de médico, e manipulando as drogas com competência e responsabilidade. Dona Ana Barroso, mulher de fé e de fibra, educou os próprios filhos com extremo zelo e cuidou com carinho de muitos filhos alheios, ensinando-os a ler e escrever, como professora que foi durante um bom período da sua vida. Devota da Imaculada Conceição, Dona Ana morava bem pertinho da Igreja da Conceição, e mantinha, como acontece até hoje, uma estreita relação de amizade com a Virgem, a ponto de dialogar com ela num nível de intimidade que só vendo!
Um belo dia, aconteceu o inevitável: fui flagrado. Pela própria Dona Ana. Que situação! Gaguejei, balbuciei um pedido de desculpas e esperei o sermão. Imaginei que ela dissesse algo como: “Então é você que vem roubando as minhas flores, hein?!” Mas, qual o quê! Com uma delicadeza maternal, ela simplesmente falou: “Meu filho, você não precisa pegar flores escondido. Peça-me, e eu mesma as tirarei para você. Com uma tesoura, para não maltratar as plantas.” Aprendi a lição. E, embora um tanto envergonhado, mas com a colaboração direta da dona, continuei a buscar no jardim da vizinha, flores para minha amada. Sem culpa e sem medo.
*Gutemberg Rocha é do Instituto Histórico de Oeiras