
Chá com Eça de Queiroz em Oeiras

* Por Dagoberto Carvalho Jr.
A vida é a arte do encontro, como diz filosoficamente, em belo poema musical, Vinicius de Moraes. Eça de Queiroz sabia disso e, decerto, por isso, tratou de adiar – na sua faculdade de viver o tempo tríbio de Santo Agostinho (a memória, do passado; a percepção, do presente; e a esperança, do futuro) –, justamente para a minha Oeiras do nascimento e de todas as lembranças, o pioneiro e curioso “chá literário” com que fui recebido por alunos e professores do Instituto Barros de Ensino.
Mesmo depois de tê-lo procurado na casa em que nasceu, na Póvoa de Varzim; na igreja do batizado, a Matriz Colegiada de São João Batista, em Vila do Conde; na casa humilde da madrinha e ama de leite (brasileira, de Pernambuco), Ana Joaquina Leal de Barros, com quem, primeiro, viveu, na Rua da Costa e, na mesma Vila, junto ao padrinho, Senhor dos Aflitos, hoje recolhido à Capela de São Roque; na Quinta de Verdemilho, onde morou dos quatro aos dez anos, com os avós paternos; no local do antigo Colégio da Lapa, de seus estudos preparatórios, no Porto; na Universidade de Coimbra, onde iniciado no teatro, fez-se bacharel em Direito; na casa dos pais, com quem viveu no Rossio, em Lisboa; na redação de “O Distrito de Évora”; no Cenáculo e no Cassino Lisbonense; na Casa da Administração do Conselho e na Sé (mestre em arte sacra que já era, tão moço e tão anticlerical) de Leiria; nas casas onde morou em Paris e Neuillly; na sua Tormes afetiva e heráldica de São João do Douro; depois de tudo isso, encontramo-nos em frente ao Colégio, onde a Rua Zacarias de Góes e Vasconcelos alarga-se em quase praça, verdadeiro memorial ecológico do primitivo Capão (de mato) que ainda alcancei definindo e diferenciando aquela parte da cidade. Pintando de verde o contraforte urbano e sentimental do Canela.
Levado pelo aluno João Vinicius, do segundo ano do Ensino Fundamental, ricamente caracterizado de Eça de Queiroz, e pela professora Lígia Santos, assisti as apresentações da noite, que foram muitas e de muito boa qualidade cênica e literária. Pela mesa, fronteira ao palco, onde tive a companhia da professora e poeta Inêz Rodrigues e do ex-prefeito Marco Santana, passaram depois, todos os alunos envolvidos no projeto, muitos professores, a “reitora” Socorro Barros e, entre outros visitantes, Cassi Neiva e Yara Porto, da Confraria Eciana. A programação foi conduzida pela diretora Magda Barros. Os contos A Aia (poesia autoral dos alunos, ao som do tema musical da mine-série Os Maias, da Globo); Civilização (conversa literária com Eça); O Defunto (em teatro de bonecos); Singularidades de uma rapariga loura (folhetim) e José Matias (programa policial de TV “Casos de Eça”, investigativo da morte do personagem); e a novela O Mandarim (repente e teatro mudo) ocuparam a criatividade e apresentações dos alunos do Ensino Fundamental. Os da Educação Infantil (Maternal e Jardim I e II) cantaram a paródia “Eça de Queiroz, a inspiração”, escrita pela professora Leci Silva e, em cantiga de roda, o conto “O Suave Milagre”. Também, o Grupo IBENS de Balé apresentou-se sob o comando de Daliana Moura.
Ao Ensino Médio, coube sequencialmente, estudo e interpretações de “O Crime do Padre Amaro”, “O Primo Basílio” e “Os Maias”. Os alunos do terceiro ano ousaram modernizar seu trabalho, fazendo-o através de “blog” especialmente criado para análise do clássico dos clássicos ecianos. “Basílio” (destacada a emoção dos atores e atrizes) e o “Padre Amaro” foram teatralizados. Neste, meninos e meninas do primeiro ano – buscando “entender e julgar os crimes humanos” – levaram o padre ao tribunal do júri e, à luz do Direito Brasileiro do século XXI, alteraram o desfecho do romance. Amaro Vieira foi condenado. Para eles, a “pátria (não estava) para sempre passada (nem) a memória quase perdida”.
E é porque esse “chá com Eça” foi apenas – disseram eles – a fase preparatória do projeto anual da Casa: “De poeta, músico e louco, em Oeiras todos têm um pouco”. Como sou o homenageado da vez, vou acabar acreditando ser o “poeta” de quem andaram falando por lá.
* Dagoberto Carvalho Jr. é membro da Academia Piauiense de Letras