
Mais de 60 mil eleitores do Piauà podem ter tÃtulo cancelado em maio; veja como regularizar
28/04/2025 - 08:43Em todo o paÃs, mais de 5,1 milhão de pessoas ainda precisam regularizar o documento.
Foi por volta de 1977. Eu me dirigia à Igreja da Conceição onde, durante os festejos da Imaculada, seria um dos padrinhos. Casa cheia: pais, parentes, convidados, padrinhos, as beatas de sempre, o Bispo Dom Edilberto Dilkenborg e os Padres concelebrantes. Já antes de chegar ao adro da Igreja as pessoas se achegavam, me alertando;
*Chico, cuidado! Dom Edilberto está lá dentro e não vai gostar nada de vê-lo ali. *
Não uma ou duas pessoas: foram muitas! Todas temerosas de que eu pudesse vir a receber uma carraspana do Bispo. A impressão que tive é a de que, dentro ou fora da Igreja, todos já sabiam que eu ali estava. Havia uma tensa de expectativa quanto à minha entrada. Mentiria se dissesse que não me intimidei nem um pouquinho. Mas não havia como desistir. Eu estava sendo posto à prova.
Quando ultrapassei os umbrais da Igreja parecia que todos os olhares estavam voltados para a minha pessoa. Diante de tanta energia concentrada eu me senti levitando, com os pés vários centÃmetros acima do piso. Dom Edilberto dirigiu-se a mim, é claro. Mas falou-me com muita educação e, até, alguma simpatia, o que fez com que se desanuviasse o ambiente.
Quem conta este, para ele, inesquecÃvel episódio, é o Pai de Santo Chico Sena.
Fomos procurá-lo na casa onde reside. Fica numa rua tranqüila do bairro da Várzea, em Oeiras. Chegamos lá em uma manhã ensolarada e batemos na porta: uma, duas, três vezes!. Chamamos *Ó de casa!* em diversas alturas. Ninguém atende. Manipulamos o trinco e constatamos, surpresos, que a porta estava aberta.. Entramos na casa e descobrimos tratar-se de uma ampla residência, com várias salas, inúmeros sofás e poltronas e uma ampla cozinha. Passam-se alguns minutos e, finalmente, chega para nos receber um senhor cuja idade parece regular com a minha. É ele mesmo, o Chico Sena, famoso médium umbandista que mantém ali, há quarenta anos, além da própria residência, um terreiro de umbanda e um concorrido consultório espiritual. Ele explica tratar-se de uma exceção o fato de estar sozinho naquele momento.
Observo-o atentamente, e o que retenho, desde o primeiro momento, é a convicção de que se trata de uma daquelas pessoas sempre dispostas a te olhar nos olhos, absolutamente seguras de si. Não se trata, no entanto, de um olhar desafiador, nem demonstra qualquer pretensão, nem, muito menos, vacilação. Posso estar enganado, mas Chico Sena está em paz consigo mesmo. É alguém que não quer, nem precisa, provar nada a ninguém!
Também pudera: 40 anos de atividade mediúnica não são 40 dias. A vivência sedimentada alicerçou sua personalidade, aparando as arestas e lapidando-o. Mas, com certeza, não foi fácil administrar o preconceito de muita gente que, ainda hoje, vê na umbanda uma religião que se utiliza de rituais de magia negra, e superando todas as incompreensões, crescer como ser humano. Para tanto, também sentiu necessidade de freqüentar escolas, tendo completado o ensino médio. Formado, foi aprovado em um concurso público para Oficial de Justiça, função que exerceu durante seis anos consecutivos (1976-1982).
Esse maranhense de Bom Jardim, chegou a Teresina nos idos de 1967, já iniciado nas práticas mediúnicas. Seu primeiro terreiro foi fechado pela polÃcia da capital piauiense. Conheceu Oeiras em 1968, quando veio à Primeira Capital do Piauà para realizar um trabalho de descarrego em uma casa comercial de propriedade do Senhor José Benedito Leite, conhecido por Zé Bené, que ficava próxima ao famoso Cabaré do *Ciço Cego*. Em 1969, por sugestão do próprio Zé Bené, muda-se para Oeiras, onde também teve problemas com o então prefeito, Dr. João Nunes, que negou um alvará de funcionamento para o seu centro espiritual. O problema foi superado com o apoio de pessoas gradas da sociedade oeirense, entre elas, o poeta Gerson Campos, seu amigo e frequentador daquele bairro de ambiência peculiar. Mas também foi discriminado pela Igreja Católica, pois o Padre João de Deus, há cerca de vinte anos, houve por bem vedar-lhe a possibilidade que ser padrinho como muitos de seus admiradores desejavam.
Encarando de frente todas as incompreensões, preconceitos e discriminações, partissem de onde partissem, Chico vai, ano após ano, conquistando a confiança do povo, que percebe nele alguém que, por atos e palavras, procura praticar o bem.
Hoje o seu consultório espiritual goza de prestÃgio e relativa prosperidade sendo freqüentado por pessoas socialmente bem colocadas que o procuram, advindas não apenas de Oeiras, mas de todo o PiauÃ, Maranhão e Ceará. Suas consultas, segundo ele, não tem um preço estipulado: o cliente tanto pode deixar 5 como 500 reais. Trata-se de uma decisão de ordem pessoal de cada um. A julgar por tudo, seus clientes tem sido, de maneira geral, generosos. Recebe, também, presentes, como a grande TV que se encontra na sala.
Perguntado se, apesar das dificuldades, sente saudade dos primórdios de seu trabalho espiritual Chico diz que sim, que faria tudo de novo, lembrando, com nostalgia, dos médiuns que já se foram, como o Neinha e a Arlinda, e dos muitos banhos de descarrego que aplicou na época em que o Mocha ainda não era um esgoto a céu aberto.
* Joca Oeiras é Assessor de Comunicação da FNT