Das coisas insustentáveis
POR ROGÉRIO NEWTON
O segundo dia da COP 30 em Belém foi bem mais agitado. Havia praticamente o dobro de pessoas do primeiro dia. O número de palestras e debates parece que também aumentou, pelo menos era essa a sensação. As vozes provenientes dos stands às vezes se misturavam, mas não chegou a ser uma bagunça. O evento é bem controlado.
Logo ao chegar à Zona Verde, de entrada livre aos participantes, sem necessidade de credenciais, percebi um burburinho de pessoas agrupadas no stand Brasil Nordeste. Compreendi: havia uma ou mais autoridades ali. Ao me aproximar deparei-me com o governador do Piauí, que estava saindo. Vi-o depois fazendo parte como convidado de uma mesa no stand do Ministério do Meio Ambiente, que possui um design bem concebido, um dos melhores que vi.
Nas imediações do stand do Meio Ambiente, índios Xikrin, em maior número que ontem, ocupavam o chão, expondo artesanatos e fazendo pintura de bonitos grafismos no corpo de visitantes que quisessem pagar. Logo depois, o pessoal da organização levou-os a ocupar lugar de menor visibilidade.
Há uma diferença bastante notável na COP entre o tom dos discursos, que variam de acordo com a pessoa que estiver falando. Se são autoridades, como prefeitos e secretários de meio ambiente, ou técnicos de órgãos estatais, o tom é mais “profissional”, mais técnico, alguns bastante competentes, mas com uma tendência a “dourar a pílula”, evitando temas polêmicos ou questionamentos críticos.
Já o tom dos discursos de representantes de entidades civis é mais eloquente e enérgico e... mais sincero. Em geral, são mulheres e homens engajados em um sem-número de lutas, negras e negros, indígenas, professores, estudiosos e pesquisadores. Falam com os olhos brilhando.
Um dos grupos que teve espaço no Círculo dos Povos da COP 30 foi o Jovens no Clima, da cidade de Recife, maior presença de jovens no evento. Todos são engajados na gestão de projetos e defendem políticas públicas nas periferias. Uma das ativistas é a índia Alice Xucuru, que anda em cadeiras de rodas. Os olhos dela brilham quando fala.
Em mais de um painel, vi a defesa de uma melhor preparação dos municípios brasileiros para a adaptação climática, outra expressão criada, entre muitas, em que o termo climático é empregado e é cada vez mais uma constante quando se fala sobre o tema. Agenda climática, emergência climática, transição climática, federalismo climático etc.
Outra palavra que não poderia faltar ao rico vocabulário da COP 30 é sustentabilidade. Em um debate com técnicos de alto nível sobre solução de problemas nas metrópoles, o tema era “Infraestrutura sustentável e resiliente para transição verde”. A linguagem chega a esses requintes.
Mas, desconfiado, tenho um problema com sustentabilidade. Acho que Ailton Krenak tem razão: sustentabilidade é um mito. Dá roupagem ecológica para um sistema profundamente predatório e causador de injustiças sociais; ignora as causas estruturais dos grandes problemas ambientais e cria a ilusão de que se pode explorar infinitamente os chamados recursos naturais, de forma eficiente e elegante, sem questionar as premissas desse sistema de exploração.
Baseadas na sustentabilidade, há pessoas que dizem (e fazem) coisas insustentáveis.









