
Entre a cruz e a caldeirinha

Não sou partidária de José Serra, aliás, me vejo sem opção neste segundo turno pois, de um lado vejo uma campanha demagógica, vazia de propostas. Que se pauta e se arraiga descaradamente aos mesmos feitos do passado, repetidos como novidade em todas as campanhas, demonstrando que foram feitos isolados, que não houve continuidade das ações. Que se pauta em se demonstrar contrariedade ao que é rejeitado no outro, pra ganhar os votos que outro perdeu. De outro lado, vejo propostas que buscam tão somente acréscimo no número de eleitores.
Porém, não posso deixar de demonstrar minha indignação com a postura (ou da falta dela) da candidata Dilma em relação à sua linha de pensamento e com a incoerência entre as suas propostas de ontem e hoje, que se mostram puramente eleitoreiras, se adequando ao que o povo quer ouvir. Se as pesquisas apontam queda, mudam-se as propostas.
Essa mudança sobre o tema aborto é algo que demonstra que o que está sendo levado em conta não é o princípio de “valorizar a vida em todas as suas dimensões”, como ela afirma, mas os números a mais ou a menos que isso significa. Muda-se a proposta sobre o tema hoje. Mas e depois? Como será? E as outras inúmeras outras propostas que são proclamadas hoje, como serão tratadas, caso haja vitória?
Em 2009, ao tomar conhecimento da entrevista da então ministra da casa civil, Dilma Rousseff, não pude deixar de me pronunciar e publiquei neste site, meu manifesto acerca do tema, cujo teor, transcrevo logo após o trecho da entrevista de Dilma Rousseff à revista Marie Claire (2009) onde foi abordado o tema aborto, a seguir:
MC - Uma das bandeiras da Marie Claire é defender a legalização do aborto. Fizemos uma pesquisa com leitoras e 60% delas se posicionaram favoravelmente, mesmo o aborto não sendo uma escolha fácil. O que a senhora pensa sobre isso?
DR - Abortar não é fácil pra mulher alguma. Duvido que alguém se sinta confortável em fazer um aborto. Agora, isso não pode ser justificativa para que não haja a legalização. O aborto é uma questão de saúde pública. Há uma quantidade enorme de mulheres brasileiras que morre porque tenta abortar em condições precárias. Se a gente tratar o assunto de forma séria e respeitosa, evitará toda sorte de preconceitos. Essa é uma questão grave que causa muitos mal-entendidos.
MC - Hoje, o que é preciso para legalizar o aborto no Brasil?
DR - Existem várias divisões no país por causa dessa confusão, entre o que é foro íntimo e o que é política pública. O presidente é um homem religioso e, mesmo assim, se recusa a tratar o aborto como uma questão que não seja de saúde pública. Como saúde pública, achamos que tem de ser praticado em condições de legalidade.
“Realmente deve ser mais prático e menos oneroso pra o governo simplesmente legalizar um ato contra a vida do que investir em uma política de educação sexual, de planejamento familiar, deve sair “mais caro” adotar uma postura mais eficaz contra as ocorrências de abuso e violência sexual.
Se o raciocínio adotado fosse sempre esse, deveria ser legalizado também o consumo de drogas para que não o fizessem mais às escondidas, para que não precisassem mais compartilhar as seringas. Seria mais “barato” o governo distribuir seringas, providenciar alvará de funcionamento para as “barraquinhas” que fossem vender drogas, para que as pessoas não precisassem mais ir até as favelas ou pontos perigosos na calada da noite para adquirir o “produto”, colocando a vida em risco, para que não o fizessem “em condições precárias“. Se o raciocínio adotado fosse sempre esse, várias outras atrocidades seriam também legalizadas.
O mundo tem avançado muito no que diz respeito à tecnologia, ciência e conhecimento, mas me parece que estamos tendo um retrocesso em relação aos valores morais e familiares. A violência está cada vez mais banalizada pelos meios de comunicação. A família parece não ter mais o mesmo valor. As pessoas já se casam pensando: “qualquer coisa, separa!” Filho que descumpre as ordens dos pais é tido entre os colegas como “o cara”. A legalização do aborto é tido como um direito da mulher.
O aborto é uma das mais cruéis e covardes formas de assassinato. Tira-se uma vida ainda em formação, sem chances de defesa, sem chances de manifestação. Sem aprofundar o mérito da questão, é claro que existem casos onde o aborto é necessário para salvar a vida da mãe, mas a grande maioria dos casos é de mulheres que engravidaram por descuido, por falta de planejamento ou até mesmo por displicência. Existem casos absurdos de mulheres que abortam para não deformarem o corpo. Legalizar o aborto é respaldar, amparar, nutrir esses tipos de comportamento. Conscientizar a população, educar, instruir, dar meios, seria mais oneroso e levaria um tempo maior, pois já se deixou o barco correr ao longe, mas seria mais eficaz, mais humano, menos atroz.
Questão de saúde pública??? Questão de saúde pública são hospitais sem médicos, são pacientes que morrem sem atendimento, são profissionais da saúde mal qualificados, são hospitais montados e sem funcionamento por questões burocráticas, são plantonistas sobrecarregados, são órgãos desperdiçados porque a estrutura oferecida impossibilitou o transplante, são medicamentos que nunca chegam aos pacientes, é a falta de uma rede decente de saneamento básico, é a falta de orientação e educação sexual eficiente na rede de ensino e sobretudo onde não há ensino...
Direito sobre si não dá a ninguém o direito de atentar contra a vida dos outros.”
Neste segundo turno de eleições presidenciais me vejo entre a cruz e a caldeirinha!!!
Por Milena Palha