
Francisco entre nós

Por Rogério Newton
Hoje é dia de São Francisco, exemplo para nós e ponto de partida para uma reflexão sobre vida pessoal, sociedade, ecologia e espiritualidade. Por que o pensamento e a ação de Francisco permanecem atuais e instigantes após 830 anos? Qual o segredo de sua juventude perpétua?
Em primeiro lugar, Francisco sentia que a vida não é só isso que se vê. Há algo mais, que ele intuiu e que o fez ir às raias da inquietude para descobrir, sobretudo buscar. Algo vital e absolutamente imprescindível, que ele não percebia na sua família nem na sociedade de Assis, onde, por seus amigos, foi aclamado rei da mocidade.
Aos vinte e três anos, ao voltar de uma viagem fracassada, ele jurou perante o céu estrelado que, antes de morrer, subiria na montanha onde brota a Vida e beijaria com seus lábios o coração de todas as coisas. Com esse holograma, era natural que rejeitasse o destino programado pelo pai: ser um rico comerciante de tecidos ou um cavaleiro da nobreza. Os caminhos que a sociedade de Assis oferecia Francisco não aceitou. Por isso, refugiou-se na natureza, para sentir o silêncio. Logo seus contemporâneos o chamaram lunático, não só por sentir êxtase em contato com outros seres. Francisco passou a incomodar porque tinha o atrevimento das pessoas livres.
A ousadia de Francisco não era de um rebelde sem causa. Sua visão de mundo nascia do amor sincero que tinha para com as criaturas, de sua vinculação mística com a pureza evangélica, que nele brotou sem chancela da autoridade eclesiástica. Esse amor, que começou a remover montanhas nos arredores de Assis e a poeira incrustada a séculos na mente da cidade, logo atraiu outros jovens que viram nele e no seu modo de ser um canal autêntico de expressão e um meio para liberá-los do vazio. Por isso a sociedade o considerou corruptor da juventude. Mas Francisco era feliz, fora das narrativas sociais e culturais.
A cena que Zefirelli pôs no filme Irmão Sol, Irmão Lua, em que o papa, cercado de honras e pompas, rende-se à grandeza de Francisco, ajoelhando-se a seus pés, mostra como os circunstantes apressam-se em auxiliar o pontífice a levantar-se. Foi como o cineasta procurou evidenciar a existência dos poderes mundanos. Em outro momento, num diálogo instigante e revelador, Francisco diz para Bernardo: __ Não acredito mais nas palavras.
Num esforço de imaginação, poderíamos pensar como seria Francisco, não na medieval Assis, mas na Oeiras de hoje. No mínimo, um “estranho no ninho”. Com a agravante de que seria difícil para ele encontrar um lugar nos arredores, onde pudesse celebrar o Cântico das Criaturas, mitigar a sede num córrego de águas limpas ou contemplar a cidade da sombra de uma árvore, do alto do morro profanado.