
Frutos de ouro

*Por Rogério Newton
Quando fui morar na casa em que desfruto os dias que me cabem, ele era a bem dizer do tamanho do cachorro. Mas cresceu com tanta rapidez que um dia nos espantamos, intimamente felizes por o termos em nossa companhia, sem que tivéssemos feito nada para isso. Foi um presente. Gosto de imaginar como teria nascido: o antigo dono da casa, após saborear o fruto, jogou ali, ao acaso, a castanha, que acabou germinando. Mas logo abandono essa ideia, pois ele está a igual distância das paredes do muro, e só pode ter sido plantado de escolha pensada.
Isso são divagações fustigadas pelo simples prazer de pensar nele. O que importa é dizer que está enorme, os galhos se espalham bem distribuÃdos pelo espaço, fazendo sombra generosa debaixo desse sol que vocês conhecem. A florada chegou antes da última chuva com o aroma adocicado e quente. E agora que o sol está tinindo, sem mais para atenuá-lo o frescor das chuvas, os frutos vão surgindo e são colhidos por mãos ansiosas, antes que os passarinhos e as abelhas o suguem por dentro.
Ao conversar com amigos, digo cheio de orgulho: tenho um cajueiro botando. E mesmo que nos dias corridos me esqueça de olhar para ele e apanhar os frutos dourados, alguém os tira por mim. Depois, em algum momento do dia, pego-os, sumarentos, e vou saboreá-los na sombra, sentado numa pedra, curtindo o prazer doce e um pouco rançento. Sinto que estou reencontrando um velho amigo.
Neste domingo, acordei cedo e ouvi alguém falando dele na cozinha. Isso me fez ir direto pro quintal. Na folhagem que se espraia, vi alguns bons. Peguei da vara que possui na ponta uma concha tecida de arame, que é para recolher o fruto de galhos altos, sem deixar cair no chão. Como alguém que conhece o ofÃcio e o maneja hábil e sem cansaço, fui tirando, um a um, e saboreando ali mesmo, que não há lugar nem ocasião melhor do que chupar cajus no momento em que são tirados, sobre o chão de folhas mortas.
Logo que a vista se acostuma, veem-se, grandes e melhores, os que se escondem entre as folhas. E com alegria de menino, vamos tirando, contando vantagem, chamando as pessoas da casa. Enquanto nos deliciamos, contemplamos melhor o cajueiro, vemos como ele é humilde, áspero sob o sol, e bonito. Lá no alto, um passarinho introduz o bico no fruto amarelo.
Quando eu era menino, porque houvesse fartura, espremia cajus com as mãos, aparando o sumo num copo. Botava açúcar e gelo. Estava pronto o melhor suco que já tomei. Há muito tempo não faço isso. Há sempre alguém em casa que mantém a jarra cheia, após bater no liquidificador. Não é a mesma coisa, mas é delicioso.
No fundo da tarde, numa hora em que a casa mergulha em silêncio, vou para o terraço e me balanço de leve na rede, saboreando em pequenos goles o precioso lÃquido, enquanto arapuás e passarinhos se esbaldam em volta dos frutos de ouro.
*Rogério Newton é escritor