
O Alter ego de Lula

*Â Por Gustavo Said
Em recente viagem pelo Brasil, o Presidente Lula afirmou em uma emissora de rádio que após deixar a presidência não vai ensinar em Harvard ou qualquer outra universidade, em referência ao ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso. Ao contrário, Lula garante que vai viajar pelo Brasil para verificar in loco o que fez, o que deixou de fazer e o que podia ter feito. Caso perceba que há algo a ser feito, Lula propõe ligar para 'sua Presidenta' (sic) para pedir (ordenar, entenda-se) que ela faça o que deve ser feito.
Sob a ótica das estratégias de marketing que o discurso comporta, o episódio ilustra bem a fantasia de Lula em se tornar 'o eterno Presidente do Brasil', aquele que não abandona 'seu povo' mesmo depois de deixar tão importante cargo. Entretanto, há outros aspectos a considerar. Em primeiro lugar, Lula sabe que o convite para lecionar em Harvard é improvável, mas não é impossÃvel. Muitas universidades americanas e também européias têm pro-gramas especiais para admitir por perÃodos limitados pessoas que não possuem diploma de graduação. Lula sabe disso e já tratou, sub-repticiamente, de dar o recado de que aceitará o convite, se ele lhe for endereçado. Mas a falta de um diploma assombra seu inconsciente. Se, por um lado, seu Ego infla-se com a possibilidade de proferir palestras pelo mundo ou de interme-diar conflitos em áreas de litÃgio internacional (que outro Presidente do Brasil investiu tanto num assento na ONU?), por outro, Lula se sente inferiorizado por não ser diplo-mado.
Sua cólera contra o sociólogo Fer-nando Henrique Cardoso é apenas uma forma de expressar essa frustração, que reverbera em discursos muitas vezes agressivos e irascÃveis.
Lula não tem em FHC um inimigo. Lula tem em FHC seu alterego, misto de espelho, herói e ideal a ser atingido, seu cúmplice e confidente. InatingÃvel e insaciável, esse sentimento de desejo e admiração pode dar vazão ao seu oposto. E a isso se segue a tentativa de desqualificação daquele que, num primeiro momento, era um ideal a ser atingido e que, depois, se transforma num suposto rival.
Se o atual Presidente não conseguir uma vaga em Harvard ou um assento na ONU, sem público para ouvi-lo, sem gente para bajulá-lo, sentindo-se diminuÃdo, o que restará a ele senão transformar a 'sua Presidenta' (sic) numa caixa de ressonância das suas frustrações e de seu Ego tão crescido?
* Gustavo Said é professor da UFPI, é doutor em Ciências da Comunicação. E-mail: gsaid@uol.com.br