Onde estamos gerando a ferida?
POR ROGÉRIO NEWTON
Com cinco dias em Belém, escapei da programação oficial da COP 30 e fui com Cidinha para Combú, uma das 42 ilhas do município, cuja parte insular corresponde a 65,64% e a parte continental a 34,36% da área total do município. Isso significa muitos rios e igarapés. Em suma: água preciosa, fonte da vida e dos mitos amazônicos. Assim como a floresta, os povos originários e todos os habitantes não humanos.
O fato é que estamos na Amazônia, tão mal compreendida quanto não a conhecemos por experiência própria: a que entra pelas janelas dos sentidos. Ouvir e participar de palestras, em ambientes supostamente protegidos, proporcionam apenas um vislumbre fugaz da grandeza do lugar.
Quando chegamos no portão de entrada do Terminal Hidroviário que leva o nome do poeta Ruy Barata, na Praça Princesa Isabel, fomos acossados por moças a nos entregar panfletos de restaurantes situados na ilha, do lado de lá do Rio Guamá. Levei um susto. Não estávamos à procura de restaurantes. Queríamos ver e sentir as águas e a floresta. O problema é que, ao comprarmos os bilhetes para pegar o barco, saímos da condição de pessoas para o “status” de consumidores.
Depois de atravessar aquele mundo d’água, o barco fez paradas nos restaurantes escolhidos pelos passageiros, e fomos parar, com outros, na “fábrica de chocolate”. Juro que não queria chocolate, muito menos fábrica. Queria só sentir o gosto da Amazônia. Mas aquela viagem incrível nos levou apenas à superfície, e isso foi bom, mas está longe de ser suficiente.
Voltamos antes da hora que prevíamos e almoçamos na Estação das Docas, no centro de Belém. Depois atravessamos a avenida para visitar o prédio da antiga alfândega, transformado em Casa BNDES, que merece não só uma, mas muitas, pelo prédio em si, cheio de arcos, por outras coisas e pela excelente livraria.
De lá seguimos correndo para a Universidade da Amazônia (UNAMA), onde a Celebração da Carta da Terra nos encheu de expectativas, pelas presenças de Pedro Ivo, “articulador da Carta da Terra no Brasil”, do ator João Signorelli e da atriz Lucélia Santos, todos ativistas. Foi uma celebração simples, uns discursos. Se eu pudesse transcreveria, na íntegra, a fala de Lucélia Santos. Que mulher gigante e simples e que força e emoção na voz:
“Há que mudar radicalmente a ideia de sociedade. Perdemos muito nos últimos 25 anos. Hoje a situação é muito mais desfavorável. A gente está num ponto mais crítico, a floresta está num ponto quase de não retorno, de não equilíbrio, de não possibilidade de sobrevivência. Ela já quase produz mais carbono do que a capacidade que ela tem de suportar e absorver. Então os tempos são bicudos. Hoje nós somos oito bilhões no planeta. E a gente vive numa sociedade egoísta, egóica ao extremo. E é sobre isso que a gente tem que pensar: antes de apontar para fora, a gente tem que ver antes onde estamos gerando a ferida e buscar a cura. Mas a cura vem antes se a gente curar a si próprio. Se a gente não baixar a bola, não baixar o ego, não abandonar um pouco essa arrogância existencial que vem pela internet, pela tecnologia de ponta – e agora o maior consumidor de água do planeta: a inteligência artificial. Os tempos estão bicudos. Se a gente não correr, a gente não vai conseguir curar. Então é muito oportuno se recontar a Carta da Terra, lembrar o que foi discutido 25 anos atrás, lembrar os compromissos que temos assumido durante esses anos todos com a sociedade, com o País, com a Terra. E voltar à vida mais simplificada. Assumir um tipo de atitude de consumir menos, como disseram João e Gandhi, de amar mais, amar os seres vivos e construir uma vida menos egoísta, menos egóica e mais simples, mais humana e mais cuidadosa. Nós temos que ser mais cuidadosos com a nossa casa. Muito obrigada por estar aqui nesta noite maravilhosa!”
Íntegra da Carta da Terra. Acesse link abaixo:
chromeextension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.gov.br/mma/pt-br/composicao/secex/dea/3a-jornada-de-educacao-ambiental/material-de-apoio/cartadaterra.pdf














