
Releitura da obra de burane
Li, com agrado, texto do cronista Junior Viana, da nova geração de escritores de Oeiras, em que aborda o lado de artista plástico de Benedito Amônico de Freitas, o Burane. Bom para a santa terrinha, bom para todos nós oeirenses, não só os que têm a felicidade de lá viver, mas para os que, como eu, só o façam espiritualmente, que, a cada dia, surja um novo valor, sobretudo nas artes literárias, o que vem confirmar o que certa vez disse O. G. Rêgo sobre Oeiras ser, também, uma terra de poetas.
Após abordar a veia artística de Burane, que foi ainda músico (tocava violoncelo, entre outros instrumentos), o conterrâneo cinge-se ao trabalho mais apreciado dele, qual seja o quadro do “Descimento da Cruz”, que tenho a felicidade de ser detentor, por nímia gentileza de cessão da sobrinha e filha adotiva, Teresinha, viúva de Antônio Campos Ferreira. A análise da obra é feita de forma percuciente , daí o agrado a que me refiro. Para surpresa, não minha, descobriu o Junior que a pintura não é uma criação do artista, como pensava Dagoberto, mas uma releitura da obra de Peter Paul Rubens, intitulada “Descida da Cruz”, comprovando com foto da tela original.
No meu trabalho sobre o artista, publicado em dois números da revista do Instituto Histórico (a reprise por conta do seu centenário), assim me expresso ao falar desse lado ora em exame: “... o artista deu vazão a todo o seu talento, pintando quadros, ora de gravuras retiradas de folhinhas (calendários) e revistas ilustradas (...). O quadro da Cadeia Velha é, sem dúvida, um dos mais apreciados, juntamente com o do ‘Descimento da Cruz’”. Não falo em criação! Agora, após conhecer a tela original, passei a admirar ainda mais o artista oeirense. Meu Deus, que reprodução! E, é preciso dizer, a pintura de Burane é sobre papelão e não em tela apropriada, sem falar na tinta que ele mesmo produzia.
Diz ainda o poeta Junior Viana, desnecessariamente, já que apreciava a faceta de artista plástico de Burane, que o quadro o remetia para o fato dele ser descendente (era neto) do Padre José Dias de Freitas, daí advindo sua afinidade com a Semana Santa, mais precisamente com o descimento da cruz. Sobre isso, devo dizer, como parte interessada, que me inteirei, há muitos anos, por que só homens de sobrenome Freitas participavam daquela cerimônia. A explicação veio de parte do então monsenhor Leopoldo Portela, de quem fui coroinha, aluno e amigo. O Padre Freitas, antes de ser pároco de Oeiras (1872-1906), conheceu, e enamorou-se, de Esperidiana Roza Ferreira, que veio do interior para a cidade e foi residir em casa vizinha à sua. Do relacionamento, logo veio o primeiro filho, de uma prole enorme, o que o levou a pedir ao Vaticano a dispensa das ordens, parece-me que ao Papa PIO X. Nunca obteve resposta de seu circunstanciado pedido, pelo contrário, foi nomeado pároco, mantendo-se respeitadíssimo pelo paroquianos, que, segundo se sabe, sempre apelavam para que permanecesse na função, o que terminou por acontecer até sua morte, já bem velho. Fazia a Semana Santa de Oeiras, como único celebrante, acolitado pelos filhos e netos, o que se tornou uma tradição passada de pai para filho, até os dias atuais. Ajudavam-no não como penitência, mas por obediência.
Mas, os Freitas de Oeiras não são os únicos descendentes de um padre. Há outros, e de igual sobrenome, da cidade de Piripiri, sem falar em José de Alencar, extraordinário romancista, e Clóvis Bevilaqua, autor do Código Civil Brasileiro. Bendita descendência espúria que me trouxe ao mundo!
(*) Ferrer Freitas é do Instituto Histórico de Oeiras