
Um mecenas na mocha

*Por Agnelo Pereira dos Santos
Em um trabalho intitulado Bernardo Carvalho (1988), o Pe. Cláudio Melo revela a contribuição desse personagem para a formação dos primeiros núcleos urbanos do Piauí, principalmente na construção de igrejas, mas que a historiografia piauiense, ao menos na sua grande parcela, omite. O autor revela que Bernardo Carvalho e Aguiar foi um português que cedo migrou para a colônia portuguesa na América. A sua atuação no desbravamento dos sertões de rodelas, notadamente no combate ao índio, foi pouco a pouco, lhe conferindo patentes militares, até chegar aos mais altos degraus das honras militares.
Cláudio Melo em seu trabalho biográfico argumenta que Bernardo Carvalho e Aguiar, embora um ilustre desconhecido, “foi uma das gloriosas figuras de nossa História e o verdadeiro criador da unidade piauiense. (...) O herói que o Piauí esqueceu realizou feitos tão eminentes, que parecem legendários”. Na verdade o autor evidencia as inúmeras incursões dessa figura no combate, no aprisionamento e na pacificação dos índios rebeldes em solo piauiense, conquistando a confiança tanto de fazendeiros quanto de religiosos, além de autoridades representativas do reino. Ele mesmo se tornaria um próspero fazendeiro e que, estabelecendo-se na região Norte do Estado, seria o fundador das Cidades de Campo Maior e São Miguel do Tapuio.
Mas a presença de Bernardo Carvalho e Aguiar esteve também ligada à formação da Vila do Mocha, na condição de cristão fiel, construtor de igrejas e defensor dos missionários, realizando o verdadeiro papel de mecenas, no sentido de apoiar através da concessão de benefício e donativos, instituições públicas que exerciam relevante papel cultural.
Segundo o autor, atendendo chamado do Governador da Capitania de Pernambuco, em 1696, recebera a patente de Capitão-Mor da Infantaria do Distrito de Cachoeira até a povoação dos Rodelas. De Pernambuco ele teria se dirigido para Mocha, se fazendo presente à instalação da Freguesia.
Bernardo de Carvalho não só se fez presente à instalação da freguesia, como também levado ao seu pároco, “substancial ajuda”, como ficou registrado em correspondência do Pe. Visitador Miguel de Carvalho, em documento de 10.02.1798:
Certifico que o Sargento-Mor Bernardo de Carvalho me assistiu e me ajudou a fundar a nova Matriz de Nossa Senhora da Vitória do Piauí. Que fiz em 1697. E depois de acabada, querendo eu passar em o mês de maio do dito ano, daqueles sertões para os do dito Rio Grande, a fundar também uma outra matriz, e tendo dificuldades grandes na viagem, por ser obrigado a fazê-la na travessia desertas adonde há muitos bravos, o dito Sargento-Mor se ofereceu para me acompanhar, e, com efeito, o fez com gente, cavalos, armas e munições à sua custa[...].
Da mesma forma, Bernardo de Carvalho teria ajudado a construir diversas outras igrejas no Piauí. O mesmo Pe. Miguel de Carvalho, em outro documento de 20.04.711 relata a contribuição de Bernardo de Carvalho, já com a patente de coronel, para a ereção da Igreja de Santo Antonio de Surubim (Campo Maior), lugar escolhido por esse desbravador para fixar residência.
De fato, Bernardo Carvalho e Aguiar pessoalmente contribuiu para a construção da capela da Mocha, para a sua reconstrução, tornando-a com os seus traços definitivos, bem como pela doação de uma bela e preciosa custódia, de sete quilos e meio de ouro.
Sobre essa jóia, de inestimável valor material e imaterial, registra-se o seu furto no ano de 1809, sendo resgatada por uma dessas casualidades do destino, pois o protagonista do roubo, no seu percurso de fuga, fora acometido por uma grave infecção intestinal, ocasionando a sua morte. Antes, porém, revelara o mandante do seu delito, povoando ainda mais o imaginário da Cidade de Oeiras no tocante aos castigos impostos pela lei de Deus. A bela custódia, mantida sob sete chaves, carrega as cicatrizes de sua reconstituição, pois fora, nesse episódio, dividida em duas partes.
Ainda segundo Melo, devemos a Bernardo Carvalho e Aguiar o povoamento de São Miguel do Tapuio, Barras, São Bernardo e Caxias, essas duas últimas no Maranhão. Quanto à Oeiras, além do que observamos, ele teria insistido junto ao Rei para que se instalasse a comarca de Mocha: “Não menor esforço empreendeu na campanha pela execução da lei que criara a primeira vila do Piauí, em cuja instalação teve presente ao lado do Ouvidor maranhense, como autoridade máxima que era em toda a Capitania”. Assim atuou Bernardo de Carvalho, o homem que teria fixado os alicerces primeiros da unidade piauiense.
* Agnelo Pereira dos Santos é historiador, mestrando em História do Brasil-UFPI, pesquisador do CNPQ.