A profundidade da dor e a superficialidade da exposição
31/03/2024 - 18:01Espalhar fotos e vÃdeos de vÃtimas fatais de acidentes constitui um ato criminoso.
* Por Orlando Berti
No dicionário de sertanejês (linguagem falada no Sertão do Piauí e em parte do Sertão do Nordeste do Brasil) sugesta é um termo que denota dissimulação, enganação e outros significados relacionados a passar a perna em alguém. De passar a perna há uma categoria bem profissional: parte dos políticos do Brasil. Aqueles e aquelas que passam de dois em dois anos em nossas portas ou então usam os meios de comunicação de massa para nos persuadir e jogar sugestas. É muita promessa, é muita cara de pau. Engraçado que depois de eleitas e eleitos elas e eles somem. Só voltam a dar as caras nas eleições seguintes.
No segundo final de semana do mês de março deste ano quem acessou as redes sociais e procurou se informar um pouco mais através da Internet deu de cara com polêmica reportagem do portal de Internet UOL (o maior do Brasil e um dos maiores do Mundo) dando conta de que moradores do Sertão do Piauí, mais precisamente da região sertaneja Norte (divisa com o Ceará – bem pertinho daquela área de litígio, conhecida por Terra de Ninguém) do nosso estado estavam se alimentando de ratazanas, também conhecidas por rabudos, preás e bichos do tipo (animais que habitam a fauna sertaneja e que, por Lei, devido serem animais silvestres – não podem ser caçados). Mas, ao menos pelo que diz a matéria: os sertanejos piauienses estão se submetendo a isso porque passam fome.
Essa notícia sobre os piauienses ganhou repercussão internacional e acalorados debates, principalmente entre os que defendem e criticam o Governo Federal, que tem como lema “País rico é país sem miséria”.
Não estou a defender, nem criticar o Governo Federal, apesar de reconhecer os avanços sociais da Geração Lula e criticar o fornecimento de bolsas da vida que praticamente só viciam a população e não emancipa ninguém. Há uma séria dicotomia entre não ter miseráveis e os colocar mais ainda na miséria da ignorância, notadamente no sentido de viciar parte da população em esmolas estatais que nada contribuem para seres mais críticos e cientes de seus direitos.
Comer rato (ou ratazana, raça parecido com as dos roedores que infestam as zonas urbanas) deve ser um prato muito indigesto e quem o faz deve ser realmente por conta de muita necessidade, nem que seja a de comer algo que seja parecido com carne. Alguns dizem que é por hábitos culturais. Realmente conheço muita gente que não dispensa uma “caça”, mas, a maioria, dá valor mesmo a uma boa comida, bem aos padrões modernos. Pena que tal ato ainda seja um privilégio.
Em um estado onde grande parte da população menos favorecida vive quase que exclusivamente de esmolas advindas dos governos Federal, Estadual e municipais e que o analfabetismo funcional reina, a preocupação não deve ser com os ratos que são comidos em uma ou outra mesa dos sertanejos, mas os ratos maiores, aqueles metidos a inteligentes e que fazem parte da raça dos políticos.
Devemos nos preocupar sim com o que nossos irmãos sertanejos vêm se alimentando (alguns o fazem até por motivos culturais, as famosas "caças").
Mas, o mais preocupante são outros ratos (esses de duas patas, bem inteligentes e que há anos vivem mamando nos Governos. Alguns desses estão na quarta geração de mandatários. Muitos esquecidos até de sua profissão de origem. Pergunte para alguns vereadores, prefeitos, deputados, senadores, governadores: médicos, advogados, engenheiros, administradores, professores, o básico de suas profissões. Muitos sequer saberão o rumo.
Esses ratões (que amam usar terno e gravata) são os mesmos que obrigam parte dos sertanejos a comerem apenas ratazanas, lagartixas e uma série de outros bichos que nunca farão parte do cardápio de quem tem dignidade para trabalhar e viver com cidadania.
As ratazanas de Brasília, de Teresina e das sedes dos municípios impedem que milhares de sertanejos possam estudar de forma adequada, continuam incentivando a ambulancioterapia (que mata tantos feridos pelas estradas – muitas delas de açúcar – de nosso Piauí), são aqueles ratos que constroem barragens mal-feitas, dos que desviam dinheiro da merenda de crianças, dos que gastam milhões em publicidades de lugares que só existem no próprio imaginário da comunicação, dos que fazem mensalões e mensalinhos, dos que comem caviar e tomam um bom uísque às custas de nossos impostos.
Ou nos preocupamos com esses ratões ou será tarde demais e nem ratos para comer teremos! E haja sugesta para a gente comer.
* Orlando Maurício de Carvalho Berti é Jornalista, nascido e criado no Sertão do Piauí, andando e conhecendo uma série de faces e interfaces na região de Picos. Professor efetivo (Assistente II – DE), pesquisador e extensionista do curso de Comunicação Social – habilitação em Jornalismo da UESPI – Universidade Estadual do Piauí. Estuda atualmente fenômenos comunicacionais ligados ao Sertão nordestino. Ex-professor e pesquisador dos cursos de Jornalismo da UESPI de Picos e da Faculdade R.Sá. É estudante do último ano do Doutorado em Comunicação Social na UMESP – Universidade Metodista de São Paulo, por onde também é mestre na mesma área. Fez recentemente estágio doutoral na Universidad de Málaga, na Espanha.