
Após a Noite

Por: Milena Palha
E, de repente, o pensamento tornou-se turvo, já não havia mais clareza ou discernimento.
A sobriedade que sempre me acudia nas horas de tormenta, dessa vez estava cansada, tinha sido solicitada demais nos últimos tempos e resolveu prostrar-se ao chão e por mais que eu a chamasse, ela se recusava a colaborar.
Os olhos, preocupados, recusavam-se a se fechar. O espÃrito, armado, decidiu manter a vigÃlia impedindo-me de dormir um pouco que fosse.
No escuro da noite, a noite se fazia dentro de mim. Naquele silêncio, onde os justos descansavam, todos os sons que ousavam quebrar o sossego pareciam bombas a me assustar. O coração batia como quem responde a um medo. O espÃrito, alerta, armava-se mais ainda!
Andar pela casa? Isso não me acalmava, pois o meu corpo ia mas o meu espÃrito continuava estacionado ao lado das ruÃnas! Assistir televisão? Isso não me distraÃa, sempre surgia uma cena que me lembrava a tormenta e o coração doÃa de novo como se a notÃcia tivesse acabado de chegar. Ler? Como, se as palavras não faziam sentido? Orar? Sim... isso ajudaria! Mas, de pensamento atormentado, no pedir por proteção lembrava do que me representava perigo e ouvia os gritos do meu medo sufocando a suave voz da minha fé, no lamentar do acontecido, relembrava tudo e sofria mais ainda, porque a cada vez que eu reprisava os acontecimentos eu os tornava maiores, mais potentes e a dor se intensificava... então, lembrei-me de agradecer pelo que ainda estava de pé e quando dei vazão a esses pensamentos, sem que eu percebesse, eles se chegaram acompanhados de uma discreta e silenciosa alegria que suavemente massageou as costas da exausta e prostrada sobriedade que, por sua vez, começou a dar sinais de vida e resolveu levantar-se e assim baixou a guarda do meu espÃrito, que assim aceitou sentar-se e me ajudou a agradecer... fazendo isso, ele esqueceu-se dos meus olhos, que sem a sua ação despiram-se da preocupação e aos poucos foram se fechando, malgrado o raiar do sol... dormi...e enquanto dormia, a sobriedade, agora mais descansada, mais disposta, convocou a serenidade e a fé e juntas tiraram toda a poeira dos meus pensamentos e o que era turvo se iluminou, o que era confuso, se esclareceu e eu acordei, com o coração ainda triste, mas sereno, com o espÃrito ainda alerta, mas desarmado, com uma visão completa do que havia sido devastado, mas sabendo exatamente por onde começar a nova construção.
NOTA: Texto originalmente publicado em 09/10/2009. Devido à mudança no sistema de gerenciamento do portal, alguns conteúdos, não puderam ser migrados, motivo pelo qual foram novamente postados, constando a data de inÃcio das atividades do novo Mural da Vila. Infelizmente, não pudemos fazer o mesmo com os comentários postados para este artigo, mas ficaram todos registrados no coração, como um gesto de carinho.