
A felicidade é aqui

Por Rogério Newton
Há um lugar em que o objetivo do governo é a felicidade do povo. Um país assim só podia existir longe daqui. Chama-se Butão. Fica localizado nos Himalaias, perto do Tibet. Sua população é de 700 mil habitantes. Possui mais monges que soldados. 72% de suas florestas são preservadas.
De lá, vem uma concepção que está ganhando corpo no Ocidente. É Felicidade Interna Bruta (FIB), mais que uma ideia, um índice destinado a medir o nível de satisfação das pessoas. Não pode ser dissociado de séculos de cultura tradicional daquele país, mas podemos dizer que FIB não é criação exclusiva do Butão. Embora a ideia tenha sido discutida pela primeira vez em 1973 pelo rei, ela só veio causar repercussão fora do país em 1986, quando um jornalista do Financial Times o entrevistou e disse que o país era insignificante, pois seu PIB – Produto Interno Bruto - era quase nada comparado ao das grandes nações, ao que o soberano teria retrucado com a afirmação que foi o título da reportagem: Felicidade Interna Bruta mais importante que Produto Interno Bruto.
Eu já tinha ido a uma conferência sobre o assunto, há três ou quatro anos, em São Paulo, mas, para conhecer melhor, fui à Fortaleza no último final de semana, participar da 5ª Conferência Internacional sobre FIB, que teve palestrantes locais e estrangeiros, como Dasho Karma Ura, vice-presidente do Conselho Nacional do Butão, e o americano John de Graaf, que falou sobre A Epidemia do Consumo.
Na construção do índice FIB, para avaliar o quanto as pessoas são felizes ou não, houve colaboração decisiva da ONU, que em recente Assembleia Geral exortou todas as nações do mundo a adotarem mecanismos de avaliação diferentes do PIB. A razão é simples de explicar: PIB só dimensiona a riqueza material e não leva em consideração outras joias do ser humano, como bem estar, alegria e confiança. Nesse sentido, o exemplo dos EUA é eloquente: de 1950 até aqui, o PIB triplicou, mas a satisfação dos americanos não cresceu em igual proporção. Ao contrário, um entre quatro americanos sofre de depressão ou melancolia.
Nem sempre “mais é melhor”. Governos de países como Canadá, França e Inglaterra estão preocupados, porque constataram que a linha do progresso material está em ascensão, mas não a satisfação existencial de seus habitantes. Por outro lado, segundo o instituto de pesquisa Gallup, países como Dinamarca, Holanda, Suécia, Nova Zelândia, onde a jornada de trabalho é menor (fator que induz a uma menor produção de riqueza material), o nível de satisfação das pessoas é melhor do que nos países do topo da economia mundial, como EUA e Japão.
O que FIB propõe? É difícil dizer em poucas linhas, mas é possível afirmar que busca uma integração entre quantidade e qualidade. Considera dinheiro e renda importantes, mas tem em grande conta a felicidade que brota das coisas caras ao bem estar dos seres humanos de qualquer latitude. Em termos mais objetivos, pois FIB é uma elaboração racional, para a construção do índice e sua metodologia, nove fatores são levados em consideração: 1. Padrão de vida necessário para satisfação das necessidades básicas; 2. Saúde; 3. Educação; 4. Confiança no governo e nas pessoas; 5. Uso equilibrado do tempo; 6. Bem estar psicológico; 7. Diversidade cultural; 8. Resiliência ecológica; 9. Vitalidade comunitária.
Houve uma boa discussão sofre felicidade, que tem uma ciência para conhecê-la melhor: a hedônica, que concebe a felicidade como um estado (de bem estar); um traço (permanente de satisfação) e uma habilidade (que pode ser apreendida). Identifica o cortisol como hormônio das pessoas infelizes e sugere técnicas e atitudes para reduzir esse vilão. Por exemplo: dez minutos de relaxamento e respiração profunda reduzem a secreção do hormônio da infelicidade.
Temas correlatos estiveram em pauta na Conferência: a transformação gradativa dos centros urbanos em “cidades inteligentes”, com uso adequado do meio ambiente e participação eficaz das pessoas na gestão; a possibilidade de mudança da velha civilização de consumo e violência em uma nova, com mais comunhão e partilha; política para solução de conflitos; pegada ecológica; sociedade de consumo; educação baseada em valores, como verdade, paz, não-violência, amor e retidão, e não no conhecimento acumulativo que pode gerar indiferença; além de outros.
O fato mais importante da Conferência talvez tenha sido o relato de experiências concretas de aplicação da metodologia FIB em empresas, como CEMIG (MG) e bairros e comunidades de algumas cidades brasileiras, como Bento Gonçalves (RS), e a comunidade Rajadinha (DF). E a possibilidade de uso do método em qualquer lugar do Brasil, desde que haja parcerias e entendimentos para esse fim, com gestores públicos ou empresas e outras organizações. Digo a vocês: a metodologia não é utópica, complicada ou dispendiosa, não é algo a ser feito “de cima para baixo”, requer o engajamento de jovens e membros da comunidade. Todos saem ganhando com os resultados.
Afirmei no início que um lugar em que o objetivo do governo é a felicidade só pode existir longe daqui. Retiro o que disse. Como salientou Susan Andrews, coordenadora de FIB para a América Latina, a base da metodologia, em última análise, é o amor. Ela mencionou pesquisa de um médico americano, segundo a qual o hormônio da felicidade é a ocitocina. Um meio fácil de produzi-la é o abraço. Oito abraços por dia é o mínimo para o nível bioquímico adequado do estado de felicidade. Podemos começar por aí.