
A festa de Lalá

* Por Carlos Rubem
A Dona Lilásia Freitas completou 90 (noventa) anos de idade, neste último sábado (04/12/10). Estive participando de sua merecida festa, muito bem organizada por seus familiares e amigos. Cheguei atrasado à efeméride. Estava na abertura do projeto “De Poeta, Músico e Louco em Oeiras todos tem um pouco”, promovido pelo Instituto Barros de Ensino – IBENS, que teve como foco a vida e obra do conterrâneo Dagoberto Carvalho Jr. Mesmo assim, pude desfrutar o clima fraternal que permeou aquele evento. Fiquei feliz porque a aniversariante, que ora padece do mal de Alzheimer, reconheceu-me. Sentada em sua cadeira de rodas, abraçou-me com carinho. Ao lado, havia um lindo bolo, destacando-se uma miniatura da homenageada com seu, inseparável, bandolim.
A querida Lalá, como também é conhecida, era casada com o “velho” João Burane (falecido). Dessa união, teve 11 (onze) filhos. Outrora, morava numa antiga residência situada na Praça da Bandeira, juntamente com as irmãs Mendes (Naninha e Mimbom), tias pelo lado paterno. Em criança, fui várias vezes àquela vivenda pelas mãos da minha tia Rita Campos, ainda hoje amicíssima da Afonsina, filha da aniversariante. Lembro-me perfeitamente da comoção que causou à cidade quando um de seus rebentos, estudante no Rio de Janeiro, num período de férias, ao participar de uma serenata, perdeu uma visão. Em meio à escuridão, jogaram-lhe uma pedra certeira. Ficou no esconso da minha memória a cena em que Ferrer, deitado numa rede, com uma mão sobre o olho vazado, conversava com os visitantes.
Somente no final dos anos 60 (sessenta), aproximei-me mais de Dona Lilásia. Lecionava aulas de música no Salão Paroquial. Depois das lições rudimentares desta arte, pegava o seu instrumento e começava a tocar sem parar. Ficava embevecido com sua performance.
Tempos depois, ao ensejo das comemorações dos 250 anos da Igreja de N. Sra. da Vitória (1983), musicistas locais se reuniram para tocar um repertório próprio, sob a coordenação da Professora Celina Martins. Formou-se, desde então, o grupo musical “Bandolins de Oeiras”, constituído pelas provectas senhoras Lilásia Freitas, Petinha Amorim, Zezé Ferreira, Rosário Lemos e Nieta Maranhão. Elas gravaram um único CD que foi bem acolhido pelo público, e há muito tempo esgotado. Essas “Meninas” são dignitárias da comenda “Ordem do Mérito Cultural”, outorgada pelo Presidente Lula, no dia 08 de novembro de 2005, em solenidade no Palácio do Planalto, oportunidade em que executaram o Hino Nacional.
Quis o destino que eu me tornasse uma espécie de produtor deste famoso grupo musical. Houve apresentações para além do Piauí, inclusive com a participação no I Festival Internacional de Cultura das Três Fronteiras, em junho de 2004, nas cidades de Puerto Igarazú e Posadas, Argentina.
Teria muitas historietas a contar sobre essas nossas aventuras artísticas. Uma delas, emblemática, se deu na “Cidade Maravilhosa”. Eram duas horas da manhã, recolhidos no hotel, quando, alguém, chamando por mim, batia em diversas portas, acordando os hóspedes. Ao me inteirar do que se tratava, deparei-me com Dona Lilásia, vestida em seu chambre, que, quase chorando, suplicava: - Bill, cadê o meu bandolim? Não durmo sem ele!...
Soube que antes da minha chegada, foi celebrada, em domicílio, pelo padre João de Deus, missa congratulatória. Também deixei de cantar o tradicional “parabéns a você”. As suas colegas “bandolineiras” animaram a festa, com a ausência, por todos sentida, da Dona Petinha, outra que também amargas achaques da velhice. Contaram-me que Dona Lilásia tentou acompanhar as companheiras. Seja como for, a homenageada transmitia um ar de felicidade. Parabéns Lalá!...
*Promotor de Justiça