
Crise? que crise? no piauí, não tem disso não!
O jumento do João Cláudio
O João Cláudio Moreno é um dos grandes patrimônios culturais do Piauí. Ele tem a fama de louco, às vezes até de bruto. Mas é uma alma das mais caridosas desta Terra Querida. Acredito que a mente atordoada do João é fruto de muita profundidade de conhecimentos e de dúvidas.
Entre as muitas histórias que conta, me lembro de uma, em particular. Certo dia, andava pela sua Piripiri, quando reencontrou o Seu Binga, um velho amigo, se queixando muito da vida. Dizia que todo mundo no mundo tinha alguma coisa pra chamar de seu. Mas ele, coitado, a única coisa que tinha possuído era uma mulher, que, segundo o João, perdeu por conta dum chifre. Seu Binga dormia de favor em cima de uma pedra, de forno numa casa de farinha. E tinha o sonho de, antes de morrer, ainda possuir alguma coisa.
Então, pediu ao João Cláudio 15 reais pra comprar um jumento. O João, frouxo que só pra dinheiro, desembainhou logo 20 contos para a compra do gobila e caminhou no rumo da feira pra comprar por mais 50 reais a melhor cangalha que achou, com esteira, cabresto e tudo. Pra se ter uma idéia, as cilhas, que amarram a cangalha no vazio do animal, eram de sola de couro de gato maracajá. E a rabichola, que laça a cangalha por baixo do pé do rabo, opegado no monossílabo do jegue, era num couro trabalhado. Um presentão!
Alegria de pobre
Passados uns dois meses, o João Cláudio voltou a Piripiri e foi ver como era que tava a vida nova do Seu Binga. Quando avistou o homem, viu logo que ele tava com uma cara de jumento que perdeu a mãe: triste, amuado, sucumbento, macambúzio...
“Quequiá, Seu Binga! Que que tu tem que tá com esta cara de quem comeu e não gostou?”. Seu Binga: “Ô coisa ruim, João, é a gente possuir as coisas. Quando eu não tinha nada, eu dormia bem danado. Agora, que só por pissuição eu tenho este jumento, acabou foi meu sossego. O bicho passa a noite é rinchando. Tira um calco aí: na semana passada, o diabo desse jumento, sem ter o que fazer, foi derrubar a cerca da Dona Raimundinha, tua mãe. Foi dois dias pra eu botar a cerca em pé de novo. Já vi que é coisa ruim a gente ter as coisa!”
Não sei se foi verdade ou foi apenas mais uma de suas piadas, mas duns dias pra cá esta história que o João conta não sai do meu juízo. E sabe por quê? Não tô fazendo nada. Vou contar.
Crise? Que crise?
Aqui em Teresina, quando queremos puxar conversa com alguém, é só reclamar do calor que a pilhéria engata: “Eita, mas tá quente, tu não tá achando não?”. Nestes tempos de inverno, é só adaptar: “E tá é bonito pra chover, num tá não?”.
Por aí afora, eu não tenho nem idéia como é que se puxa um leriado com um estranho. Mas, nas últimas semanas, as pessoas de outros estados que eu encontro, a pergunta que elas me fazem é uma só: o que é que eu tô achando da crise aqui pelo Piauí. Crise?! Que crise?! Aqui não tem crise! Aí eles ficam com cara de quem tá pensando que eu tô é frescando!
Crise é coisa de rico
Como dizia Seu Binga, ô coisa ruim é a gente possuir as coisas. Nos Estados Unidos, somente no mês de novembro, foram demitidas mais de 500 mil pessoas. Mais de meia Teresina no olho da rua num único mês! A multinacional Philips anunciou a demissão de 8 mil funcionários. Aqui no Brasil, nos estados que têm indústria, as férias coletivas do final do ano foram antecipadas para novembro, por causa desta tal “crise”. E não são poucas as que já começaram a demitir e ainda fazem planos para demitir muito mais. Isso tudo num período pré-natalino, época tradicionalmente de expectativa de alto consumo.
Nos estados que têm exportação, com a retração dos mercados americano, europeu e chinês, ninguém sabe nem mais o que fazer. Não se consegue exportar e o mercado interno está amedrontado para absorver esta produção que normalmente era destinada ao mercado internacional.
Nos estados onde o turismo é desenvolvido, a rede hoteleira, restaurantes, bares e taxistas, reclamam que o fluxo de turistas diminuiu em função do aumento exagerado das passagens aéreas. O turista sumiu, o dinheiro desapareceu e até meretriz tá fazendo promoção pra ir escapando.
Mas, pra nós, piauienses, graças ao nosso bom Deus, à venerada padroeira Nossa Senhora da Vitória, à Divina Santa Cruz, ao finado Gregório e, principalmente, aos nossos políticos – uuufa! – nada disso está acontecendo! E sabem por que aqui no Piauí, este negócio de “crise” não produziu nem produzirá nem marola e muito pior um tisunami? Eu digo já, já. Mas antes vou fazer um diarrudei.
Mão Santa
Quando o Mão Santa era governador, todo mundo sabe que ele não perdia nem batizado de boneca. Um dia, um prefeito de uma cidadezinha lá do extremo Sul do Estado o convidou para inaugurar um chafariz com duas torneiras. Foi o bastante para o Mão Santa arregimentar todo o governo e se picar no rumo de lá.
Na inauguração, com direito a banda e foguetório, além da imprensa escrita, falada e televisionada, o Mão Santa caminhou no rumo da torneira com sua Adalgisa. Fez pose... Abriu a torneira...Cadê a água? Nada de água! Você pensa que ele perdeu o rebolado? Não bateu nem a passarinha! Pegou o microfone e agradeceu a São Francisco do Canindé por não ter água. E explicou: “A dengue pega é pela água. Como aqui não tem água, também não vai ter dengue”. Nesta horinha o João Madison puxou as palmas e a negada do governo arrochou atrás.
E nossa Balança?
Então, no Piauí, como diabo é que vamos ter crise na indústria se nem indústria nós temos?! Neste negócio de crise nas exportações também não vamos sentir nada. A única coisa que ainda exportamos é cera de carnaúba, que sempre saiu mesmo pelo foi Ceará e aqui nós nunca tomamos nem conhecimento. Tem também a soja dos cerrados, que sai todinha na cota do Maranhão. Ah, exportamos também piauienses como mão de obra escrava pra cortar cana nos canaviais de São Paulo ou para as fazendas de carvão no oco do mundo. Mas isso não conta na vigorosa e inabalável balança comercial piauiense.
E turismo? Não há perigo de alguma coisa abalar as nossas férias de final de ano em Luis Correia. Como lá só dá teresinense mesmo, pra nós pouco importa esta agalândia de preço de passagem aérea.
Crise? Que crise? Se o Piauí fosse uma potência industrial e econômica, hoje estaria atormentado como o Seu Binga, depois que se tornou proprietário de um jumento. Eis, enfim, a vantagem de não se ter nada! É feliz quem vive aqui!