
Quando a máquina apita: IA e os novos rumos da arbitragem esportiva
17/06/2025 - 13:21Por Aline Gonçalves Jatahy
* Por Pe. Geraldo Gereon
Frequentemente se ouve, neste tempo, o comentário popular: “Uma seca em ano de eleição são duas secas”. A afirmação é expressão de um profundo descontentamento, de uma rejeição do estilo de campanha eleitoral, de um fatal pessimismo em relação ao processo político nos moldes concretos da democracia brasileira. A seca é um fenômeno conhecido que sempre surpreende e assusta quando acontece. As pesquisas da ONU , há tempo, avisaram que a partir de 2010 podia-se esperar uma grande seca no nordeste, mas os nordestinos, com sua experiência secular no assunto, nem desconfiaram que ela estivesse iminente a acontecer. Eles assustam-se como que a estiagem fosse a primeira. Mais uma vez deixaram-se surpreender sem se prevenir. Os efeitos catastróficos conhecidos, mas não previstos, estão de novo gerando desespero na população rural e perplexidade nos governantes.
Se as eleições gerais são avaliadas nos mesmos termos de uma seca, na expressão popular, dobrando o efeito desastroso do fenômeno natural, a situação do pequeno município de São Francisco de Assis do Piauí vive mais um agravamento da crise dupla. Foi marcada, pelo TER do nosso Estado, uma eleição suplementar, a segunda em um ano e meio, para o dia 1º de julho próximo. Esperava-se algo neste sentido desde novembro de 2011, quando foi confirmada a cassação do prefeito do município. No ato daquele veredicto determinou-se uma eleição direta, mas sem data marcada, possível ainda para o fim daquele ano de 2011. Mas nada aconteceu. Passaram-se os meses sem manifestação nenhuma do Tribunal, quando, no dia 15 deste mês de maio, foi determinado o afastamento do Prefeito e marcada a eleição. Supunha-se que fosse marcada uma eleição indireta, pela câmara dos vereadores, prevista em condicionamentos como o nosso que recomendam uma ação mais simples e rápida, por causa das eleições gerais deste ano, no mês de outubro.
No entanto, não entrou em consideração a aparente incompatibilidade de dois processos eleitorais se cruzarem no mesmo período. Enquanto, para o pleito de outubro, os partidos devem realizar as suas convenções para nomear candidatos até o dia 30 de junho, as eleições suplementares hão de acontecer no dia seguinte.
Eleições diretas exigem campanhas eleitorais acirradas, barulhentas, altamente emocionais e carentes de conteúdos politicamente relevantes. Eleições nos pequenos municípios do Piauí rural são marcadas pelos caciques, sucessores dos velhos coronéis, e seus conchavos, que formam torcidas interesseiras sem ideologia partidária e muito menos fidelidade partidária. Avaliações objetivas necessárias para um voto consciente são inviáveis. A hipocrisia dos discursos eleitorais mal esconde o princípio de grande parte do eleitorado: O ruim da gente é melhor do que o bom do outro.
O sistema judicial altamente desacreditado não se impõe com eficiência. O caso de São Francisco do Piauí comprova isso: O prefeito é cassado, mas não afastado do cargo. Seis meses depois vem a execução da sentença com uma eleição direta marcada para uma data, que invade o processo eleitoral do pleito de 2012.
Cabe aqui uma pequena reflexão sobre princípios judiciais, de um pobre que é incompetente, mas já ouviu falar destes princípios. Trata-se da consideração de precedentes na jurisprudência para a justificativa de sentenças. No site do TSE, jurisprudência, temas selecionadas, Atualização 26.03.2012, pag. 2/3 encontra-se um exemplo alumiante para o nosso caso:
“...assentei que se devia levar em consideração que já estávamos na segunda quinzena de novembro de 2011, motivo pelo qual é forçoso reconhecer o acerto de entendimento do TRE/SE de razoabilidade de eleição indireta, tendo em vista o curto prazo entre a data em que se realizaria uma eleição direta e o pleito de 2012, bem como a movimentação da Justiça Eleitoral para a sua concretização. – Citei precedente deste Tribunal de que ‘esse entendimento evita a movimentação da Justiça Eleitoral, quanto à inconveniência de organização de uma eleição direta em momento em que já se encontra direcionada á realização do pleito subseqüente’ (Agravo Regimental na Medida Cautelar nº2.303, rel. Min. Caputo Bastos, de 17.04.2008). Levando-se em conta que agora já está em curso o ano eleitoral verifica-se, com mais razão, o inconveniente de realização de uma eleição direta tão próximo ao pleito vindouro. Tenho assim, que, independentemente de a dupla vacância ter ocorrido no primeiro ou no segundo biênio ou de a lei orgânica ser ou não omissa quanto à forma de realização da eleição quando ela ocorrer no segundo biênio, se se cuida do último ano de mandato, a eleição deve ser sempre indireta. (Min. Arnaldo Versiani, publicado no DNE em 23.02.2012)
No entanto, o detalhe jurídico, igualmente importante, é a lei orgânica do município de São Francisco de Assis do Piauí. Ela determina no artigo 60, inciso II: “...ocorrendo a vacância no último ano do mandato, assumirá o Presidente da Câmara, que completará o período...” No nosso caso, a vacância ocorreu no dia 11 de maio deste ano e o Presidente da Câmara foi empossado no dia 12, isto é: no dia seguinte. O caso deveria estar resolvido.
Quando falamos das “duas secas”, não queríamos discutir questões jurídicas. Falamos da revolta de um povo que enfrenta a tragédia de uma seca. Está começando a luta pela sobrevivência das famílias e dos rebanhos. Nas roças nada se colheu – pasto, plantado ou nativo não se formou – as águas dos açudes já secaram ou guardam algum resto. Os poços são de pouca vazão, os carros-pipa só fornecem água para o consumo humano. A água da represa “Pedra Redonda”, localizada em parte no nosso município, não é aproveitada para o nosso povo, só serve para turista ver. Há oito anos esperamos pela adutora que só é lembrada nas promessas eleitorais. Os pequenos produtores rurais, que são quase 80 % da população do município, andam como que estupefatos pela perspectiva clara dos transtornos da seca. A cooperativa de mel só colheu 14 % d safra do ano passado – ela está quase parando as suas atividades. A base econômica de São Francisco de Assis do Piauí foi estragada pela seca em torno de 80%.
Esta seca mal começou e se agrava cada dia. Saem ônibus lotados para São Paulo e carradas de animais vendidos às pressas por preços insignificantes. Um saco de feijão já custa R$ 415,00, das roças veio nenhum caroço deste amigo dos pobres, nem para plantar quando chover de novo.
Basta demorar uns 15 minutos no local de um poço onde as pessoas se encontram em busca de água, para presenciar a revolta destes pobres com a eleição marcada para o dia 1º de julho: “Temos de ouvir duas vezes o mesmo bafafá de sempre”, dizia-me uma trabalhadora rural tocando a sua carroça com 200 litros de água. Todos sabem que a razão está na política degenerada do município – nenhum político é cassado por seus méritos. As pessoas se sentem obrigadas a votar em quem não confiam, não tem direito de se abster, o que poderia ser um voto de protesto. As determinações da justiça inclemente, desvinculadas da realidade crua de um povo de flagelados, tornam se uma opressão em nome da democracia. Parece que estamos assistindo um espetáculo do teatro surrealista que “se propõe revelar o inusitado, mostrando a mazelas humanas e tudo o que é considerado normal pela sociedade hipócrita”.
A seca climática e duas campanhas eleitorais em cinco meses são realmente duas secas. Conhecemos a história da crueldade da lei: “Nós temos uma lei, e segundo esta lei ele deve morrer” (João 19,7). Este mesmo Galileu condenado tinha deixado a mensagem libertadora para os seus seguidores: “O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado” (Mc 2,27). Duas secas – quem é que agüenta? Ainda bem que o sertanejo de todas as secas não perde a fé no Deus que anuncia: “Eu vi a opressão do meu povo...e tomei conhecimento de seus sofrimentos. Desci para libertá-lo”.
* Pe. Geraldo Gereon é Pároco da Paróquia São Francisco de Assis